Dia
04 de Janeiro – Aniversário do primo que não lembro o nome.
Hoje tive
que ir até a casa de uma tia para almoçar, em comemoração ao aniversario do décimo
quarto filho dela. Nem lembro quantos anos o meu primo estava fazendo. Eu nem
lembro o nome dele, para falar a verdade. A titia fez tanta questão de por uma
penca de gente no mundo que acaba ficando difícil lembrar o nome de todos.
Ela é
dessas mulheres que gostam de colocar o nome dos filhos parecidos. Daquele
jeito que faz todo mundo se confundir. É uma confusão da peste. E tenho certeza
que irá me perdoar por não saber o nome do primo aniversariante.
Lenilde, Lenilda, Lenilton,
Lenilsivan, Lenilson, Lenilta, Lenisilcleide, Lenilsileida, Leniscleia,
Lenisilcleiton, Lenilsiléia, Lenisvaldo, Lenisvandro e Lenisluce.
Duvido
alguém ler esses nomes bem rápido.
Pois bem,
tive que ir, então, até essa reunião familiar para dar os parabéns a um dos meus
primos que deve sofrer bulling na escola, devido ao nome, digamos, exótico. Fui
até uma loja e comprei um brinquedo que achei que o fulano iria gostar. Afinal,
ele era o mais novo, ainda criança, então não havia necessidade de comprar um
presente mais elaborado.
Fiquei na
varanda da minha casa olhando o horizonte. Vi quando o sol sumiu atrás dos
prédios e a noite cair trazendo um céu estrelado e uma lua cheia cativante.
Noite maravilhosa para fazer um coito na minha namorada, pena que tinha que ir
até o abatedouro emocional familiar e encarar todo aquele povo.
Então, com
a chegada da noite, e o horário do jantar se aproximando, peguei meu carro e
partir rumo à casa da minha tia, que ficava a poucos minutos de distancia. Ao
me aproximar no local já pude sentir o clima familiar voando no ar, como o
cheiro de um lixão a céu aberto.
Então fechei
a janela do carro.
***
A casa da
minha tia era antiga, um clássico da arquitetura gótica. Exalava todo o ar de
riqueza que seu marido conquistou durante os anos. Estacionei o meu carro um
quarteirão antes de chegar lá. Fiquei observando a imponência daquela
residência e pensando o quanto me sentia pequeno diante de tanto luxo.
Desci do
carro e fui a pé até a casa da titia. Ao me aproximar, a lentos passos, já fui começando
a ouvir o arrocha tocando dentro da casa. Essa era a minha tia. Havia
conseguido enriquecer, mas não deixava de lado a sua origem brega.
Após tocar
a campainha um dos fulanos abriu a porta. Sorriu para mim, mostrando
cordialidade e felicidade por me ver. Infelizmente não foi reciproco, mas
consegui fingir por alguns segundos, mostrando meu mais caloroso sorriso
amarelo.
- Boa noite, meu primo.
Quanto tempo não lhe vejo.
- Pois é. – como era mesmo o
nome dele? – Ultimamente andei muito ocupado com os estudos, trabalho,
namorada. Acabo que não tenho tempo para visitar a família.
- Ainda bem que existem
essas datas comemorativas para reunir a todos. Não acha?
- Santos aniversários. O que
seria de mim sem eles?
Ele riu,
não sei porque. Me convidou para entrar. E eu entrei. Me mostrou o caminho para
a sala onde todos estavam reunidos. E eu fui até lá. Estava agindo como um
cachorrinho guiado pelo dono, com os rabos entre as pernas pelo ambiente
hostil.
- GAAAAAAAABEEEEEEEE!
Eu dei um
pulo e deixei o presente cair. Olhei para ver quem era a louca que estava
gritando alucinadamente - como se estivesse tendo um orgasmo - meu nome. Era a
minha tia.
- Oi Gabe, seu fofo. Quanto
tempo não lhe vejo. Nossa como você está magro. Como está a sua namorada? E o seu
trabalho? O que anda fazendo? Anda se alimentando direito? E a sua mãe? Tem
falado com ela? Nunca mais tive noticias dela. E seu pai? Ainda trabalha
naquela empresa de calçados? Ele melhorou da bronquite? Já perguntei da sua
namorada? Quando vai casar com ela? Já tá na hora da sua mãe ser vó, não acha?
Olha...
Minha boca
ia se abrindo e fechando, tentando responder a metralhadora de perguntas que
era a minha tia, mas ela não deixava um microssegundo disponível para que eu
pudesse pelo menos falar um “cala a boca”. Então a deixei falar. Ela adora
falar. Até que, de repente, ela se calou, deu um sorriso e me levou até o
fulano-aniversariante. Não antes de me fazer passar vergonha, é claro.
- GENTE, OLHA QUEM CHEGOU. O
GABE.
O mundo
parou. Quem estava comendo parou de mastigar. Quem estava conversando parou de
falar. Quem estava dançando parou de dançar. Todos os olhos se viraram para a
minha direção. Minha tia gritou tão alto que eu tive a sensação de que o mundo
parou de rodopiar no universo só pra prestar atenção em mim.
- Que é isso tia, não
precisa exagerar. – sussurrei no ouvido dela.
- DEIXA DE FRESCURA, GABE.
OH LENILDE, LENILDA, LENILTON, LENILSIVAN, LENILSON, LENILTA, LENISILCLEIDE,
LENILSILEIDA, LENISCLEIA, LENISILCLEITON, LENILSILÉIA, LENISVALDO, LENISVANDRO
E LENISLUCE VENHAM CUMPRIMENTAR O PRIMO DE VOCÊS.
Como ela
conseguiu falar esses nomes corretamente e tão rápido?
Os minutos
que se passaram foram cumprimentando todas as mãos e braços abertos que se
dirigiam a mim, tanto dos fulanos, quanto de outros familiares e desconhecidos,
que vieram devido ao escândalo que a titia fez com a minha chegada. Por ultimo
veio o fulano-aniversariante.
- Meus parabéns primo.
Trouxe esse presente pra você.
- Obrigado. Posso te fazer
uma pergunta?
- Claro.
- Você é viado?
- Como é que é?
- Você é gay? Por que meu
irmão Lenisvandro disse que você era um baitola.
Quem era o
Lenisvandro?
- Não, não. Sou
heterossexual. Tenho até namorada.
- O pai de um amigo da
escola se separou da mãe dele pra se casar com o vizinho.
- Puta que... – suspirei –
Pode confiar em mim. Sou homem de verdade.
- Mas você tem jeito de
viado. Tem certeza que não é?
- Tenho. Não sou viado. –
disse, querendo dar uns tapas na cara desse moleque.
- Tudo bem então.
Ele saiu
correndo, olhando para um grupo de amiguinhos, gritando.
- RELAXA PESSOAL, ELE NÃO É
VIADO.
Criança é
um amor, não é?
***
- Oi, gato. – me disse uma
das primas-malucas-que-não-lembro-o-nome.
Ela era
linda, não podia negar. Mas nunca teve a sua consciência no lugar certo. Por
varias vezes, na adolescência, pensei em me aproveitar da tara dela por mim,
mas acabava desistindo por medo do que ela poderia fazer, ou ter.
- Oi, tudo bem?
- Não muito.
- Qual o problema.
- Tô precisando de um
cachorrão, como você, pra tirar o meu atraso.
- Não curto ficar com
primas. – menti.
- Ah Gabe! Deixa de
frescura.
- Quais as novidades?
- Fui demitida.
- Por quê?
- Me pegaram transando com o
contador. – ela hesitou. – Em cima da maquina de xerox.
Ela nunca
foi econômica com as palavras. Muito menos crivava os pensamentos.
- Não precisava entrar em
detalhes.
- A xerox da minha bunda
rodou toda a empresa.
- Detalhes, prima, detalhes
desnecessários.
- Tenho uma xerox da minha
bunda no meu quarto, quer ver?
- Olha...
- Se quiser pode ver ao
vivo. Mais interessante, não acha?
- Acredito que a sua bunda
seja igual às outras tantas por ai.
- Que grosseiro.
- E você é uma tarada.
- Só quando estou perto de
você.
- Olha, tenho namorada. Sou
fiel. Então me desculpe, não iremos fazer sexo hoje.
- Aquela vagabunda deve
meter chifre em você direto.
- Você não a conhece.
- Mas sei que é uma
vagabunda.
- Acha que seria idiota de
estar namorando uma vagabunda.
- Se não me comeu até hoje,
é porque é idiota.
- Nem camisinha eu tenho
aqui. Então esqueça.
Alguma coisa
deveria fazê-la desistir e deixar meu pé em paz.
- Odeio camisinhas.
- Deus me livre. Não quero
pegar gonorreia.
- Não tenho gonorreia. E
mesmo que tivesse qual o problema? Todo mundo pega gonorreia um dia.
- Não eu.
- Deixa até mais gostoso.
- Ham?!
- É, o gosto e o cheiro
deixa mais excitante.
- Puta que...
- VAMOS CANTAR OS PARABÊNS?
– gritou a minha tia, salvando-me dessa tarada.
***
Tá ai uma
das coisas boas dessas reuniões de minha família, a comida. E graças à boa vida
da titia acabamos sendo presenteados com uma mesa farta. Após me aproveitar de
cada prato, divinamente bem preparado, resolvi sentar em uma das poltronas para
aproveitar esse rápido momento em que alguns estão comendo e outros descansado,
para poder ficar um pouco só.
Observei que
o meu primo-aniversariante-fulano estava perto dos seus amigos, olhavam para
mim e davam risinhos tímidos. Olhei mais um pouco no salão e vi a minha
prima-tarada-fulana olhando para mim, acariciando as coxas. Depois ela
aproximou uma mão da outra, encostou as pontas dos indicadores e dedões e fez o
formato de uma xana, fazendo movimentos com a língua imitando eu chupando
aquilo.
Eu mereço.
Meu celular
enfim vibrou no bolso. Finalmente um sinal de vida além das paredes daquele
manicômio. Alguém lá fora se lembrou de mim e poderia, pelo menos por celular,
me livrar das alucinações que aquele ambiente hostil estava me proporcionando.
Era a Cris,
minha doce e romântica namorada. Acabava de me mandar um sms.
- Oi, cachorrão gostoso. Au
au
- Au au
- Quero te dar.
- Tô no massacre da serra
elétrica, amor. :\
- Esqueci que ia pra esse
aniversario. :(
- Tá um inferno. :*(
- A senhorita condiloma já
tentou te estuprar?
- Sim, mas a missão dela foi
infeliz.
- Quando a gente se ver irei
querer avaliar o seu instrumento. Se tiver algo diferente eu lhe capo.
- Tudo bem. :D
- Ainda dá pra nos vermos
hoje, amor. O soldado Ryan quer ser resgatado?
- Acho que os nazistas
venceram essa batalha.
- Que pena.
- Mas amanhã irei precisar
do seu carinho.
- Já irei separar o meu chicote.
- Cachorrona.
- Au au
- Te amo.
- Também te amo.
- Já tô indo dormir então.
- Tudo bem, amor. Beijos nos
lábios. :-*
- Nos lábios? Você está até
comportado.
- Nos grandes lábios. :-D
- Aaah, agora sim é o
cachorrão que conheço.
- rsrsrsrsrsrs
- Au au. Beijos meu homem da
glande grande.
- Tá assistindo muito vídeo
na internet. Rsrs
- É... mas não deixa de ser
verdade.
- Beijos amor.
- Beijinhos. E sobreviva,
por favor.
- Pode deixar. :)
***
Vendo a
minha tia vir na minha direção fez eu pensar se conseguiria cumprir a promessa
a Cris de que iria sobreviver.
- GAAAAAABEEEEE!
Precisava
gritar de novo?
- Oi, tia.
- Gostou do aniversario?
- Adorei tudo. – menti. –
pena que já está acabando a festa.
- É uma pena mesmo. Espero
que venha nos visitar mais vezes.
- Irei sim. – sorrir
amarelamente. - Irei sim.
- Deixa eu te perguntar? – e
adianta eu permitir ou não? – Isso é uma flor de Lis? – perguntou apontando
para o meu cinto.
- É sim, tia. Gostou? Fui
escoteiro, lembra?
- Isso é coisa de satanás.
- Como é?
- O pastor disse que a flor
de Lis é coisa do diabo·.
- Cruzes, tia. A senhora
acreditou?
- É verdade, sobrinho.
Pesquisa na internet. Isso vai fazer tu ir pro inferno e ser estuprado pelo
capeta.
Não
adiantava argumentar.
- Tudo bem, tia. Irei me
livrar de tudo que tiver a flor de Lis em casa.
- Acho bom mesmo. – disse me
dando leves tapas na bochecha. – agora deixa eu ir que seu tio irá fazer o
discurso final.
Acho
engraçado a crença de alguns protestantes, como a titia. Para eles tudo vem do
capeta. Fico imaginando a minha tia, uma senhora que botou tantos filhos no
mundo, transando.
- Ai... ai... ai... Meu
Deus.... ai... que gostoso... ai... ai.... vai.... vai gostoso... ai... isso é
coisa do capeta... ai... satanás... ai... é tão bom... ai... ai... sai
demônio... ai... ai... isso só pode ser coisa do pé preto... ui... mais
fundo... é coisa do capeta... É COISA DO CAPETA.
Enquanto
fico pensando essas, como diria a vovó, saliências, meu tio está discursando no
microfone. Percebo então que o fim da festa está próximo. Enfim sobrevivi.
Poderei ir aliviado para os braços do meu amor, dizer com todas as forças que
sobrevivi graças a ela.
Fiquei
aliviado, afinal todo aquele tormento iria acabar. Enfim, iria acabar. Não
precisaria mais conversar com a minha tia, não iria ver mais os olhos
desconfiados do meu primo, e nem enfrentar a minha prima tarada. Enfim, tudo
aquilo iria acabar e eu teria paz na minha vida para sempre.
Feliz por
tudo isso, resolvi deixar meus pensamentos de lado e ver o discurso do meu tio,
Consegui escutar somente a frase final.
-... e ainda temos outros treze filhos para fazerem
aniversário. E o próximo é daqui a duas semanas. Todos aqui já estão
convidados.
Puta que
pariu!
Nenhum comentário:
Postar um comentário