sábado, 18 de fevereiro de 2017

A Casa Sem Janelas



            O que será que se passa na mente e no coração de um homem quando este vê toda sua vida ser destruída? Como se sente um homem que vê que tudo o que planejou para o futuro foi picotado e jogando no vento? O que pensa um homem que percebe que a sua felicidade foi esmigalhada e jogada na lama para os porcos comerem? O que pensa?

Eu não sei.

            Mas Adriel sabe. Ele estava sendo destruído por essa dor. Sua mente, seu coração e seu corpo estavam sendo bombardeados por todas essas sensações, pensamentos e confusões que uma traição poderia causar em um homem que amava a sua mulher até a última célula do corpo.

            Sim, havia sido traído. Sua esposa, mulher que tanto confiou a vida, os seus segredos, os seus medos e futuro havia lhe traído com o seu melhor amigo. Uma traição clássica e dolorosa. Uma dupla traição dos dois sujeitos que tanto amou e tinha carinho. Duas facadas cravadas em sua costa jorrando o sangue da dor e do sofrimento. Um ferimento que irá drenar sua felicidade para sempre.

            A morte lhe beijava a alma. Ele queria ver sangue. O sangue que só o anjo da morte poderia lhe proporcionar. Quando um homem sofre uma dor que vai além de suas forças a insanidade abraça-lhe a razão. Se matar ou matar aquela mulher que causou essa dor dilacerante? Se jogar da janela do trigésimo andar, onde estava o seu apartamento, ou matar aquela mulher que dormia docilmente ao seu lado?

            Sim, ela estava lá.

            Ele a observava. Estava dormindo de costa para ele. Seus cabelos cor de mel estavam enrolados e o lençol que dividiam lhe cobria as pernas. Sua respiração era calma, não imaginava que o homem que dormia ao seu lado, todas as noites, já sabia a verdade. Seu sonho pacífico não lhe alertava sobre o perigo que poderia estar correndo naquele exato momento.

            Sentado na cama ele a observava furioso, atormentado pela imagem da traição, confuso sobre sua vida dali em diante. Em suas mãos algumas fotos. Fotos que lhe tiravam a paz. Fotos enviadas a ele pelo investigador que contratou para segui-la. Fotos que provam a traição dela e de seu melhor amigo. Fotos que lhe tiravam o sono e lhe enchia de angustia. Fotos, muitas fotos.

             Guardou-as dentro do envelope, pegou uma caneta e um papel que estava sobre o criado-mudo e escreveu um bilhete. Deixou-o em cima do envelope sobre a mesa que fica ao lado de sua esposa. Com cuidado e silencio, pegou uma mala e arrumou as suas roupas. Decidiu ir embora. Decidiu ali não mais ficar. Não podia ter seu sangue ou o sangue dela em suas mãos. O abraço da insanidade não foi tão reconfortante. O beijo da morte não foi tão saboroso. Ele resolveu viver e seguir a sua vida.

           

            Estacionou o seu carro na estrada e lá ficou por algum tempo. Não sabia ao certo onde queria ir. Ele simplesmente só queria ir. Olhou para o caminho adiante, a estrada estava escura em sem a intenção de ter alguém vivo pelo caminho. Era só ele e seus pensamentos. Pensamentos que o levavam a lembrar das fotos de sua esposa e de seu amigo lhe traindo. Pensamentos que o faziam lembrar-se dela dormindo enquanto arrumava a mala. Pensamentos que o faziam lembrar-se do condomínio em que viveu por anos refletidos no retrovisor do carro enquanto deixava a sua vida para trás.

Agora estava só.

            Após alguns minutos conseguiu organizar seus pensamentos. Enxugou as lagrimas e lembrou-se de seu pai dizendo que homem nunca deve chorar, principalmente por causa de mulher. “Mulher há aos montes no mundo” dizia. Ele era tão criança quando seu pai disse isso, mas ainda lembrava vivamente. Principalmente quando viu seu pai, meses depois, chorando com uma garrafa de cerveja na mão sentado no sofá. Chorando por sua esposa, mãe de Adriel, ter fugido com o vizinho.

            Realmente homens nunca devem choram por causa de mulheres.

            Essa lembrança fez Adriel rir um pouco e ajudou-o a pensar melhor. Lembrou que existia uma pequena cidade, não muito distante dali, onde poderia recomeçar a sua vida. Como ele era colunista de um site poderia morar onde quisesse. Tentou se lembrar do nome da cidade quando, de repente, caiu na gargalhada. Sim, havia se lembrado do nome.

            A cidade se chamava Pau Doce.

            Ligou o carro e rumou até a cidade. Ao chegar lá encontrou um hotel onde poderia passar a noite, mas, claro, não queria viver ali pra sempre, logo teria que sair pra procurar uma casa ou apartamento para alugar. O dia estava amanhecendo tomou um comprimido pra dormir e, meia hora depois, estava em um sono profundo. Ao acordar teria um dia cheio.

 

            A cama estava mais leve e menos cheia do que de costume. Ainda sonolenta ela passa a mão no lado onde Adriel dormia, mas ele não estava lá. Olhou para o seu relógio de pulso, ainda eram oito e meia. Seu marido só levantava a partir das nove. O que haveria acontecido?

            Levantou-se e foi tomar banho. Algum tempo depois retornou, enxugando os cabelos, seu corpo ainda está molhado deixando pequenos respingos de água pelo quarto. Seu celular vibra e ela vai olha-lo. É uma mensagem de Roberto, seu amante.

“Quero lhe ver hoje. Te amo”.

Quando ia responder vê que na mesa onde estava o celular há um bilhete escrito Michelle, e embaixo dele um envelope. Ela pega o bilhete e o abre. Seus olhos vão passando pelas letras que foram escritas direcionadas a ela. Seu olhar demonstra a confusão, a tristeza e o susto pela mensagem que foi escrita naquele pequeno pedaço de papel. Uma mensagem escrita a caneta, tristeza e ódio.

Lembro-me do dia em que nos conhecemos. O amor por ti surgiu no primeiro momento em que lhe vi. Era uma garçonete incrivelmente linda. Ainda é linda, até mais do que aquele dia. Lembro-me das juras de amor que me fizeste. Lembro-me do nosso casamento. Se hoje o seu trabalho como atriz é reconhecido grande parte foi graças a mim. Para você eu dei amor, dei carinho, dei conforto, dei o lar que está agora, dei o sucesso. Dei a minha vida. E o que ganho em troca? Pequenas gotas de amor durante o dia e uma traição a noite. Você me traiu com o meu melhor amigo, o homem que cresci junto, que considero como irmão. Por que fizeste isso? A minha vontade era de lhe matar. Mas não o farei. Nem me matarei, pois você não é digna de ver o fim da minha existência. Estou indo embora, para sempre. Aproveite tudo. Aproveite tudo isso que eu deixei pra você. Um dia perceberás o que perdeu. Adeus Michelle. Até nunca mais.

            Não era mais a água do banho que brilhava em seu corpo nu, mas a água salgada de suas lagrimas que escorriam torrencialmente a cada palavra lida. Os soluços ecoavam na casa. Ela estava sozinha, sem o homem que a ela deu tudo. Ela o amava. Amava muito.

            Mesmo com todo esse amor que sentia por ele não entendia o porquê o traiu. Não conseguia compreender de onde veio essa necessidade de ter um caso, e ainda por cima com o melhor amigo dele. Que diabos estava passando na cabeça dela quando resolveu aceitar as propostas de Roberto? Ela não sabia.

            Estava se afundando em seus pensamentos e lamentações, seu corpo acompanhava se afundando no chão, Aos poucos ia sentando com a costa na parede, chorando, lendo, relendo, dissecando cada palavra de tristeza e ódio que motivou Adriel a escrever aquele bilhete. Sua vida não fazia mais sentido com a sua ausência.

            Lembrou-se do envelope que estava em cima da mesa e, engatinhando, foi até lá busca-lo. Ao abrir soube como foi que seu marido descobriu tudo. Varias fotos dela com o seu amante, se acariciando, se beijando, transando no carro ao lado de um rio. Dias de fuga da realidade registrados pelas câmeras de um desconhecido. Dias de paixão proibido mostrados de forma crua para o seu marido. Dias de insanidade cravados nos peitos de todos para sempre.

            Deitou no chão com as fotos espalhadas ao seu redor, em cima de si, em cima da cama. Era a representação fiel da confusão que estava em sua mente, em sua alma e em seu coração. Fotos de um adultério espalhadas pelo quarto, o mesmo quarto que por tantas noites amou Adriel. Fotos de um crime. Um crime contra uma vida.

 

            Demorou até os seus olhos se adaptarem a luminosidade. O corpo estava cansado, exausto, queria voltar a dormir, mas tinha muito para fazer. Com dificuldades olhou para o relógio de parede em cima da TV a sua frente, eram três da tarde. Se assustou pelo fato de ter dormindo tanto. O remédio que tomou realmente o abateu.

            Olhou para o celular e viu várias chamadas perdidas de sua esposa. Havia esquecido de que ela faria isso, mas não queria mudar de chip, iria prejudica-lo. Bloqueou o número e foi tomar banho para poder realmente acordar.

O ralo do chuveiro ia levando as suas dores e angustias. Era relaxante ficar recebendo aquela água quente no corpo. A sensação era de que o mundo havia parado só pra ele poder respirar um pouco. Nada mais existia além daquela sensação boa de estar embaixo de uma ducha quente.

            Saiu do banho enrolado na toalha, já enxuto, mas com o cabelo ainda encharcado. Pela primeira vez foi à janela daquele quarto de hotel ver a cidade que o acolhia naquela nova fase de sua vida. A rua estava pouco movimentada e a floresta em volta era um bálsamo para a visão. Adriel sempre gostou da natureza, era como se ele retornasse as suas origens. Viveu a sua infância no interior do Pará, numa vila ao lado do rio Jacaré Grande.

            Olhou por mais um tempo a paisagem e resolveu ir se arrumar. Tinha que achar um apartamento ou uma casa para alugar. Não podia viver para sempre naquele quarto de hotel. Pegou qualquer roupa da mala e se vestiu. Saiu e foi logo falar com o recepcionista.

- Bom dia! – disse ele ao se aproximar da recepção.

- Boa tarde senhor. – respondeu o homem gordo, de cabelo grisalho, que trabalhava lá.

- É verdade, desculpa. Acabei de acordar.

- Tudo bem.

- Gostaria de lhe fazer uma pergunta. Você sabe se existe alguma casa ou apartamento para alugar nesta cidade?

            O recepcionista, que estava digitando algo no computador, parou no instante em que ouviu a pergunta. O sangue de seu rosto sumiu e por um instante Adriel achou que suas mãos estavam tremendo. Meio gaguejando respondeu:

- Não senhor. Não...não... não existe nenhuma... nenhuma casa ou apartamento nesta ci... cidade disponível. Nem a... adianta sair para procurar.

            Adriel olhou para ele confuso pelo nervosismo com a pergunta. Uma pergunta tão simples não poderia ter causado tanto alvoroço a um homem que até pouco tempo estava brincando com ele pelo fato de ter dado “bom dia”. Mas logo percebeu que ele poderia ter ficado preocupado na possibilidade de perder um cliente. Então logo mudou a conversa por que ele não ajudaria.

- Onde posso comprar alguma coisa pra comer a essa hora?

- Bom. Te... temos uma lanchonete a... a... quatro quadras daqui. – respondeu, ainda nervoso.

- Obrigado. – respondeu Adriel, logo saindo em direção a lanchonete.

            O caminho até a lanchonete foi tranquilo. Poucas pessoas estavam na rua. E essas poucas que encontrou sorriam para ele gentilmente. Logo avistou a lanchonete, um estabelecimento simples, sem letreiro, mas se percebia pelas mesas na calçada que aquele era o lugar. Havia somente um casal sentado em uma mesa, bebendo uma cerveja e conversando sobre algo.

            Ao entrar viu uma velha senhora, com um avental sujo, limpando o balcão e outro senhor sentando em uma mesa, afastado, observando atentamente o jornal que passava na TV fixada na parede.  O ambiente estava calmo, e o cheiro de fritura invadia a narina de Adriel.

- Boa tarde senhora. – disse Adriel se dirigindo à atendente.

- Boa tarde meu jovem. O que deseja? – disse a mulher, levantando levemente os olhos e o observando por cima dos óculos.

- Essas coxinhas são de hoje?

- São sim.

- Me veja duas de carne e um suco de maracujá. Vocês têm?

- Temos sim. Pode se acomodar em uma mesa que já lhe trago.

- Obrigado. – disse, sentando-se à mesa mais próxima.

            O jornal falava sobre uma morte misteriosa que havia acontecido a uma cidade próxima dali. Uma mulher encontrou o corpo de sua patroa, na casa onde trabalhava, todo dilacerado em cima da cama. Ninguém soube explicar e dizer quem havia feito isso com aquela mulher.

- Que idiotas. – disse o velho, alto o suficiente para Adriel entender o que havia falado.

            Foi então que ele reparou naquele homem. Careca, com roupas impecáveis, transbordava ar de superioridade. Parecia ser um caipira que achou uma fortuna e, de repente, se viu rico. Um homem que se percebia que pisaria em qualquer um para conseguir o que desejava. Alguém que Adriel, geralmente, não suportava.

- Aqui está senhor. – disse a garçonete colocando o pedido dele na mesa.

- Obrigado. – respondeu Adriel, não tirando os olhos daquele homem.

            Enquanto comia as lembranças vieram à tona novamente. A comida começou a ficar presa na garganta, as náuseas embrulharam o seu estomago, a raiva dominou o seu coração. Ainda se perguntava o porquê ela fez o que tinha feito. Por que ela jogou fora toda a vida que tiveram juntos. Não conseguia entender o motivo.

            Expulsou esses pensamentos da cabeça e resolveu fazer aquilo que havia programado para fazer naquele dia. Foi até o balcão falar com a senhora que havia lhe atendido para ver se ela não possuía alguma informação que venha a lhe ajudar.

- Quanto foi? – perguntou a ela vendo-a não demonstrar interesse em levantar a cabeça para olha-lo.

- Cinco reais, senhor.

            Tirou a carteira do bolso e retirou o dinheiro, entregando-a. Olhou-a por mais alguns segundos, tentando entender a indiferença dela com a presença dele. Ela, diferente dos que já tinha visto na rua, não tinha um pingo de educação. Mas, já que estava ali, mesmo receoso com a resposta, resolveu perguntar.

- A senhora sabe de alguma casa ou apartamento que esteja disponível para ser alugada por aqui?

            O silencio que se seguiu foi estranho para Adriel. Só conseguia ouvir a televisão noticiando uma partida de futebol e o cara que ora ou outra resmungava para a TV. Ela levantou o olhar para Adriel, demonstrava um ar de preocupação e desdém, olhou para o velho e, percebendo que estava entretido com o jornal, perguntou.

- Por que o interesse jovem?

- Bom, estou querendo morar aqui e preciso de uma casa para isso.

- Não temos nenhuma casa disponível nessa cidade. – disse, olhando novamente para o senhor que estava na mesa.

- A senhora tem certeza? – disse Adriel olhando também para o homem, curioso em saber o porquê ela olhava com temor para ele.

- Absolutamente. Aconselho a procurar outra cidade. – disse quase sussurrando e virando-se para pegar uma xicara de café.

            Adriel ficou lá, novamente sem entender, vendo a senhora com as mãos tremulas segurar a xícara e a cafeteira tentando colocar o café para poder tomar e se acalmar. Por que essa pergunta deixava as pessoas nervosas nessa cidade? Será que eles não querem um forasteiro por perto? Ficou lá a observando e pensando o que estava acontecendo. Um tapinha nas costas rompe seu raciocínio.

- Está querendo alugar uma casa? – disse a voz da pessoa cuja mão lhe tapeou.

            Era o homem que estava assistindo o Jornal.

- Eu tenho uma casa para lhe alugar. – disse com um sorriso largo.

            Adriel se assustou quando ouviu o barulho de vidro quebrando. Ao tirar sua visão daquele homem e seguir na direção do som percebeu que foi a mulher que havia derrubado a xícara que segurava. Ela tinha se assustado com alguma coisa.

- A senhora está bem? – perguntou Adriel preocupado.

- Acredito que tenha sido só uma leve vertigem. Não é Dona Dolores? – disse o homem, sorridente.

- Sim... sim. Minha pressão deve ter caido de repente.

            Adriel ficou observando aqueles dois sujeitos se olharem. Ele sorridente, ela assustada. Se olhavam fixamente, como se estivessem conversando mentalmente. Uma conversa onde ela era subjugada. O olhos dela se voltaram para Adriel, um olhar de piedade, um olhar de pena, um olhar que pedia para ele ir o mais longe possível dali. Mas ele não entendia as linguagens dos olhares.

- Como eu estava dizendo, tenho uma casa que está disponível. – disse o homem voltando-se para Adriel.

- Eu gostaria de vê a casa. – respondeu, ainda olhando para os olhos daquela senhora.

- Então vamos lá agora. O levarei em meu carro.

            E assim saíram da lanchonete. O homem com os braços na costa do Adriel, lhe acolhendo docilmente, enquanto ele olhava para trás, vendo aquela senhora, assustada, com medo e com o olhar cheio de piedade para com ele. O que estava acontecendo ali que Adriel ainda não havia entendido?

            Dez minutos depois chegaram a casa. Logo Adriel percebeu que não havia vizinhos. A casa ficava no fim de uma rua, solitária, sem vida ao seu redor. Era de dois andares, com pátio e varanda, pintada de branco. Mas uma coisa ele achou muito curioso.

- Não há janelas? – perguntou Adriel assustado.

- Não. – respondeu rindo- Quando eu morava aqui eu era meio que antissocial. Fiz essa casa só com a porta para que todos soubessem que não queria visitas. Mas não se preocupe. Instalei centrais por todos os cômodos.

- Isso realmente é estranho.

- É a única casa desta cidade para ser alugada. Nem a venda você encontrará por aqui.

- Está mobiliada?

- Está sim. Pode usar tudo o que está lá dentro.

- Quando é o aluguel?

- Seiscentos reais. Água e luz não inclusas.

            Ele ficou observando aquela casa excêntrica por alguns segundos. Queria poder dizer ao homem que daria a resposta depois. Queria poder buscar outras opções. Mas aquele homem lhe mostrava segurança e algo o dizia que ele não acharia outro lugar naquela cidade.

- Eu fico. – respondeu.

- Muito bem. Venha amanhã às oito horas com as suas coisas. Estarei aqui com o contrato de três meses e as chaves da casa.

            E com um aperto de mão o negocio foi fechado naquele dia.

 

- Não acredito que ele descobriu. Não acredito que ele fez isso. – disse Roberto olhando para os olhos lacrimejados de sua amante.

            Eles haviam combinado de almoçar, não havia entendido a voz triste e chorosa de Michelle ao telefone, muito menos o motivo misterioso e apressado de se encontrar com ele. Nunca haviam marcado para se ver a luz do dia em um lugar movimentado onde qualquer um poderia os reconhecer. Agora estava entendendo. Adriel havia descoberto o caso deles. Ele olhava para ela, parecia estar em um poço de tristeza onde nunca poderia ser resgatada.

E ela realmente estava.

- Ele deixou nosso caminho livre. Poderemos nos amar como sempre quisemos. Deixe-me faze-la feliz. – disse Roberto colocando a sua mão sobre a dela.

            Michelle olhou para a mão que a acariciava. Uma mão que até ontem só lhe dava prazer, carinho e tesão. Agora ela só consegue sentir náuseas. Só conseguia sentir horror por tudo que havia feito. Como ela pôde trair o homem a qual amava de verdade?

- Eu não lhe amo. – disse ela, tirando a sua mão do alcance de Roberto.

- Como não? Na ultima noite que nos encontramos você me disse que desejava muito ter me conhecido antes de Adriel.

            Ah, a ultima noite! Noite de prazer e luxuria. Noite em que foram colhidos pelo rio e um luar incandescente. Noite onde tiveram o ápice de prazer. Noite onde sentiu novamente o ar de adolescia sobre os bancos daquele carro. Noite que mudaria a sua vida. Em algum lugar estaria alguém a fotografar todo aquele prazer sexual do momento.

            Sim, ela só sentia tesão por ele. Nada mais.

- Eu não te amo. Nunca te amei. Só dizia o que queria ouvir. Não queria ficar sem a sua habilidade na cama e esse pau gostoso que você tem. Mas a minha gula me fez perder o homem que realmente valia a pena na minha vida.

- Não acredito nisso. Michelle, eu te amo e...

- Não dá mais. Desculpa. Adeus. – interrompeu Michelle, se levantando e saindo apressadamente do restaurante.

            Ela viu, por seu olhar periférico, que ele a vinha seguindo, mas teve que parar para poder pagar a conta do almoço, dando uma vantagem a ela. Quando ele saiu do restaurante só teve tempo de vê-la partir dentro de um taxi, nem se deu ao luxo de olhar para ele novamente. Mas Roberto não podia deixar essa historia acabar assim. Ele tinha que procura-la de novo. Ele a amava de verdade e agora tinha chance de poder conquista-la.

 

            Pontualmente Adriel estava em frente à casa onde moraria esperando aquele sujeito que havia conseguido persuadi-lo a aluga-la. Não estava muito confortável com a ideia de alugar aquela residência estranha. Mas havia conversado com algumas pessoas na noite anterior e descobriu que, realmente, era a única casa que tinha para ser alugada. Mas era estranho o fato de todos ficarem nervosos com a pergunta e o orientarem a se mudar para outra cidade.

            O barulho de um carro o faz voltar à realidade. Era o carro do Júlio, dono da residência, que estava chegando em seu veiculo de luxo por aquela rua sem vida. Estacionou bem em frente à Adriel e saiu, sempre com roupas impecáveis. Cumprimentou-o com um aperto de mão e o convidou para entrar na futura casa em que iria morar.

            Júlio abriu a porta e entraram. A sala de estar era muito bem mobiliada. Dois sofás convidativos, aparentemente bem confortáveis, uma poltrona, uma televisão que ocupava quase toda a parede, uma mesa de centro de época, um lustre e alguns enfeites que davam um ar feminino ao local.

            Foram até a cozinha, que também não deixava a desejar. Sentaram-se a mesa e Júlio lhe passou o contrato que logo foi lido. Havia concordado com todas as clausulas, nada que pudesse prejudica-lo, então assinou. Júlio deu um largo sorriso, pegou a sua copia e cumprimentou Adriel.

- É muito bom fazer negócios com você. – disse, entregando-lhe as chaves. – pegue as chaves e qualquer coisa o meu número está em um caderno ao lado do telefone, na sala.

- Obrigado. – respondeu Adriel, sem querer muito se alongar na conversa.

            E assim Júlio saiu. Pegou seu carro e partiu para um lugar desconhecido para Adriel. Este pegou sua mala e subiu a escada. Foi até os quartos, viu todos os cinco, e resolveu ficar no terceiro por ser uma suíte. Arrumou, devagar, as suas roupas no guarda-roupa.

            Ainda não havia assimilado esta nova realidade. Tudo ainda parecia um sonho e que, a qualquer momento, ele iria acordar desde pesadelo. Mas não era. Tudo o que estava vivendo, todo o sofrimento, toda essa mudança, era real. E ele tinha que se acostumar com tudo. Tinha que assimilar a sua nova condição. Mas era difícil.

            Tão difícil que ele desmoronou.

            Se jogou ao pé do guarda-roupa, usando-o como apoio, chorando, desconsolado, destruído. A ficha estava caindo. Ele havia sido traído, saído de casa e agora iria seguir uma vida sozinho, longe da mulher que amava. Como ele iria conseguir? Como ele suportaria somente a sua presença? Como ele aguentaria conviver com todas essas sensações e pensamentos negativos? Como sobreviver sem pegar uma faca e cortar os pulsos?

            Os pensamentos o consumiam e o chão encharcava-se com suas lagrimas quando um ruído o despertou de sua insanidade temporária. Um chiado que vinha de um lugar ao longe, mas dentro da casa. Parecia o chiado de uma TV que havia sido ligado em um canal sem transmissão. Passou a manga de sua camisa nos olhos, levantou-se e foi até a sala.

            Ao descer as escadas e olhar o fim do corredor, caminho que deveria percorrer até a sala, viu que as luzes estavam apagadas. Mas podia se notar uma claridade vinda de lá. E com o chiado que estava mais audível logo notou que a TV estava ligada. Mas quem havia ligado?

            Olhou ao redor e viu que não havia nada que pudesse ser usado como arma para, porventura, ter que usar contra algum invasor.  Mesmo com as mãos vazias e sem o mínimo conhecimento de defesa pessoal, ele resolve continuar caminhando. Seus passos são leves, calmos, mas por dentro seu coração saltava desesperadamente de medo do que podia encontrar no caminho. Seus ouvidos só conseguiam escutar a sua respiração e o chiado da TV. O silencio além desses sons era torturante.

            Ele para de caminhar e encosta-se à parede atrás de seu corpo. Escondia-se de algo que não existia naquele corredor. Seu medo era a entrada para a cozinha que estava no caminho. A sensação de ter alguém lá, esperando ele passar para pegá-lo, estava lhe dominando.

            Aos poucos foi criando coragem e colocando parte de seu rosto na entrada. Seu olho esquerdo viajou por toda a cozinha escura. Cada canto do que podia ver, com dificuldades, era analisado. Os ouvidos, atentos, tentando anular o barulho de seu coração, de sua respiração e da TV, tentava captar algum som estranho que pudesse estar vindo daquele lugar. Mas nada ouvira. Mesmo assim Adriel ainda não estava seguro de que não haveria ninguém lá.

            Ele foi andando lentamente, com os olhos grudados para a escuridão da cozinha, seus braços levantados, procurando estar preparado para qualquer ataque que poderia surgir de lá. Mas a cada passo dado ia lhe dando a certeza que de lá nada viria. E logo sua visão oscilou entre a escuridão da cozinha e o pequeno caminho restante até a sala.

            Novamente estava ele, encostado na parede, andando lentamente, se esgueirando até chegar bem perto da entrada da sala. No fim do corredor havia a porta, único lugar daquela casa de onde poderia entrar e sair alguém. E para a surpresa de Adriel a porta ainda estava trancada, pelo lado de dentro. Todas as cinco trincas ainda estavam intactas.

            E isso o deixou assustado.

            Novamente ele coloca parte de sua cabeça para poder observar a sala. Ela estava lá, com todos os moveis no lugar. Intacta. A TV estava clareando-a totalmente. Seu chiado mais forte agora, e a tela mostrava aquela dança desnorteadas de milhares de pontos brancos e pretos. Não havia sentido nisso. Como a TV ligaria sozinha?

            Logo Adriel criou coragem e entrou na sala. Realmente não havia sinal de ninguém no ambiente. Olhou em volta e viu o controle em cima da mesa de centro. Pegou-a e desligou a TV, escurecendo a sala automaticamente.

- Merda, onde fica o interruptor? – perguntou-se ao perceber a besteira que fez.

            Enquanto ainda estava desnorteado pela escuridão obvia e repentina que não esperava, sentiu um vento quente em sua nunca, arrepiando seu corpo. Tinha a sensação de que havia alguém respirando bem atrás dele e que o observava. O medo tomou conta, ele ficou lá, parado, esperando a ação do invasor. Mas nada veio. Somente o ar quente em sua nuca.

            Invadido por uma grande coragem Adriel se volta pra trás, rapidamente, desferindo uma cotovelada, atingindo somente o ar. Seus olhos caminham pela escuridão querendo ver alguma coisa, mas tudo em vão. Enfim lembra do seu celular no bolso e o pega. Ao apertar em um botão ele acende e consegue iluminar, mesmo que um pouco, a sua frente.

            Com a pouca iluminação ele consegue ver o interruptor que estava ao lado da entrada, encostado em um quadro. Mas ele, inicialmente, não vai até lá ligar a luz. Ele fica paralisado com o quadro, não havia o notado ainda quando tinha chegado. Na tela havia um homem com os braços amarrados em um cavalo branco e as pernas em outro de cor preta. Ambos os animais andavam em direções opostas. A força fazia o homem se arrebentar. Seu abdômen estava sendo dilacerado. As tripas estiradas pelo chão e a poça de sangue nutrindo a grama. Ao redor há um grupo de homens rindo, se divertindo com a cena.

- Santa inquisição. – disse em voz alta, sem tirar os olhos do quadro.

            Ficou lá, apreciando horrorizado aquele quadro, vendo cada detalhe expresso naquela pintura. A feição de dor e horror do homem sendo morto. Os cavalos que nem imaginavam o que estava fazendo. A felicidade do público ao contemplar aquele homicídio. O sangue e as tripas enfeitando o chão. Cada detalhe gravado na memoria de Adriel. Era como se estivesse sentindo a terrível dor que aquele homem sentiu quando morto. Sua esposa e seu melhor amigo, os dois cavalos que estraçalharam o seu coração e a sua alma.

            Sim, ele entendia a dor que aquele homem expressava.

            Percebeu que, por vários minutos, havia esquecido os motivos que estava ali. Esqueceu completamente que poderia ter alguém naquela casa. Mas Adriel não se preocupou mais. O tempo em que ficou observando o quadro, atônito, estático, tinha dado tempo suficiente para alguém lhe atacar. Mas como nada houve então não havia ninguém lá. Tudo fruto de sua imaginação.

            Então a luz foi acessa.

            A sala estava tão normal como quando chegou naquela casa. Nada estava fora do lugar, nada havia sido furtado. Nada! Absolutamente nada de estranho. Somente o fato de a TV ter sido ligada sozinha. Adriel achou que foi algum defeito e esqueceu tudo o que havia passado. Olhou em volta e pensou na escuridão que, mesmo sendo de manhã, invadia aquele lugar.

- Uma casa sem janelas. Só eu mesmo pra me meter em uma dessas. – disse para si mesmo, enquanto subia novamente para o quarto.

 

            Michelle ainda não havia aceitado o fato de Adriel ter saído de casa. Não conseguia assimilar que ela foi culpada de tudo. Ela que traiu o seu marido com o melhor amigo dele. Ela era a vadia da historia. Tudo isso lhe tirava o sono, lhe tirava o amor à vida. Enclausurou-se em seu apartamento. Como não possuía nenhum compromisso além de sua casa faltava-lhe animo para sair. A casa estava um caos, o quarto todo desarrumado, a cozinha cheia de lixo e louça suja, a sala cheia de pacotes de comida industrializada. Era a representação fiel da desorganização mental e insanidade que estava passando.

            Ligações feitas pelo Roberto para o seu celular nunca foram atendidas. E novamente o toque de seu telefone lhe tirava o silencio do quarto. Mesmo colocando o travesseiro em cima da cabeça aquele toque ainda encontrava espaço para entrar em seus ouvidos. Já era a quinta ligação dele naquele dia e ainda eram oito da manhã.

            O fato é que Michelle não queria falar com o cara que a seduziu a cometer essa traição. Era o que ela tinha na cabeça, que havia sido seduzida. Já havia bloqueado o numero dele, mas ele sempre trocava de chip. Acabou que desistiu e só deixou o celular tocar. Pensou, algumas vezes, de trocar o número de seu aparelho, mas o medo de que Adriel lhe ligasse a fez desistir da ideia.

            Já não suportava mais aquele toque lhe tirando os pensamentos de autocondenação. Queria poder se torturar psicologicamente, se culpar por tudo, sem a interferência de ninguém. Só queria a solidão, o silencio e a companhia da nostalgia e das lembranças dos momentos felizes que viveu ao lado de Adriel. Queria poder imaginar ele, entrando pela porta, lhe perdoando, amando-a novamente, sem que nada a interferisse. Mas aquele telefone tocava insistentemente.

            Levantou da cama, enfurecida, e pegou o celular para atender a ligação e dizer algumas coisas que estavam presos em sua garganta. Quando viu o número que estava ligando para ela teve uma surpresa. Não era o Roberto que estava lhe ligando. Não era aquele homem por qual ela saiu da cama com raiva. Era Adriel.

            E ela atendeu rapidamente.

- Adriel? – perguntou ela, esperando a resposta com lagrimas nos olhos.

            Um silencio do outro lado da linha. Podia se ouvir somente uma respiração pesada. Ela ficou esperando a respostas, acreditando que ele falaria com ela. Mas os segundos se passavam e nada de vim a voz de seu amado. A sensação de que ele poderia estar arrependido por ter ligado lhe invadiu. Com medo de que ele desligasse fez com que ela voltasse a falar.

- Adriel, por favor, não desliga. Estou muito arrependida de tudo o que eu fiz. Eu fui uma vagabunda, eu sei. Mas por favor, me dei uma nova chance. A gente precisa conversar pessoalmente, precisamos nos ver. Por favor, e...

- Não é o Adriel que está falando. – disse uma voz rouca interrompendo-a.

- Quem tá falando?

- Não importa.

- Onde está o meu marido?

- Acho que é ex, né? Está aqui no quarto dele. Estou observando ele dormindo. Ele se mudou pra cá ontem, ainda não o conheço bem.

- Posso falar com ele?

- Acho melhor não. Ele nem sabe que eu estou aqui.

- Entrou no quarto dele sem permissão?

- Ele nem sabe que moro com ele.

- Como assim? Quem é você?

- Já disse. Não importa. Escuta, acho melhor encontra-lo logo.

- Por quê?

- Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente.

- Como assim? Quem é você? O que pretende fazer com ele? – disse, começando a demonstrar na voz que está assustada.

- Tenho uma dica pra você. Tem papel e caneta ai? Então anota: adri30@gmail.com, a5791b. Agora tenho que ir, ele está acordando. – e desligou.

            Michelle ainda ficou com o telefone no ouvido, não acreditando no que havia acabado de acontecer. Tudo havia sido um sonho ou realmente havia acontecido àquela estranha conversa? Que e-mail era aquele e por que lhe forneceu a senha? Rapidamente correu para a mesa ao lado da cama e anotou o que aquela voz havia lhe dito.

- Tenho que ir pra um lugar onde eu possa entrar nesse e-mail. – disse para si mesma.

            Tomou um banho rápido, se arrumou com a primeira roupa que viu e saiu para descobrir o que estava acontecendo.

 

            Adriel acordou com dificuldades, o dia anterior, após o acontecido com a TV, havia sido cheio. Arrumou todas as suas coisas, se livrou daquele quadro apavorante (e de outros que achou nos quartos), limpou toda a casa se livrando da poeira e do cheio de mofo e, finalmente, ela poderia ser digna para alguém morar. A central de ar ligada dava um clima agradável a casa, mesmo não havendo janelas.

            Ao colocar os pés no chão viu algo que achou curioso. Seu celular estava jogado no chão, próximo a cama. Ficou imaginando como ele havia parado lá. “Eu dormi com ele e o joguei de madrugada?” pensou ainda meio sonolento. Não criou muito caso. Pegou-o do chão e foi até a cozinha.

            Após um farto café da manhã ele foi até a sala, pegou o seu notebook e começou a escrever o seu artigo para aquele dia. Tinha ficado esses últimos dias afastado, devido aos últimos acontecimentos. Havia recebido ligações de seus superiores reclamando e querendo explicações.

            O tema daquele dia seria sobre traição. Adriel escrevia sobre relacionamentos humanos. Era humilhante escrever como se deve conviver com os outros e descobrir que na sua vida acabou sendo traído pela esposa. Não parava de pensar onde havia errado.

            Mas as experiências estavam ajudando a escrever o seu novo artigo, sempre enfatizando a grande lama que alguém traído passa após descobrir as puladas de cercas do cônjuge. Seu artigo ficou farto de subjetivismo, conseguiu realçar com clareza os sentimentos que passam a pessoa que foi vitima da enganação do parceiro ou parceira. Era o que ele estava vivendo, sabia mais do que ninguém falar sobre aquilo. E escrever esse artigo era a forma que ele havia encontrado de se aliviar.

            Artigo terminado, agora só faltava publicar. Adriel levou a seta até o ícone para publicar, mas algo fez ele parar. O barulho de vários vidros quebrando, vindo da cozinha, fez ele se assustar e pular no sofá.

- Que porra foi isso?- sussurrou.

            Colocou o note de lado e foi andando, devagar, para a cozinha. Ao chegar lá viu que a dispensa, fixada na parede, estava aberta e todas as garrafas de vinho, azeitona, e outros alimentos estavam jogados no chão, totalmente despedaçados. A única coisa que havia sobrevivido ao estranho ataque foi uma garrafa de vinho tinto.

- Será que tem ratos aqui? – disse, olhando toda a bagunça.

            Pegou o lixeiro que fica na cozinha, se ajoelhou e começou a catar os cacos de vidros e as comidas dispersas pelo chão. Tudo estava indo bem quando sentiu um baque na cabeça que o deixou tonto. Apoiou a mão no chão cortando-se com um vidro quebrado. Mas nem sentiu devido à dor na cabeça e a tontura. Quando foi voltando ao normal percebeu que estava todo encharcado de vinho. Aquela garrafa havia caído em sua cabeça.

            Percebeu o corte da mão e um sangue escorrendo em sua camisa, havia também cortado à cabeça. O estrago tinha piorado com aquelas lesões. Pensou em ir ao hospital, mas lembrou de que tinha horror a agulhas. Então foi até um armário e pegou um kit de primeiro socorros que havia deixado lá no dia anterior.

            Após fazer um curativo na mão e colocado um chumaço de gases e uma atadura bem apertada na cabeça, resolveu voltar pra sala e enviar o seu artigo. Deixaria aquela bagunça para arrumar mais tarde. Foi devagar, estava um pouco tonto pela dor, pelos remédios que tomou e por ter pedido muito sangue. Nem tinha ouvido ainda o barulho que vinha da sala.

            Ao chegar lá uma surpresa. A TV estava ligada, o chiado finalmente chegou aos seus ouvidos e os pontinhos brancos e pretos novamente dançavam loucamente na sua frente.

- Que porra é essa? – perguntou sem, obviamente, esperar uma resposta.

            Pegou o controle que estava em cima da mesa de centro e apertou o botão pra desligar. Mas ela não desligou. Apertou varias vezes, cada vez mais forte, sem sucesso. Bateu o controle na palma da mão, tirou e colocou as pilhas, bateu contra a parede, tudo que fazia era em vão. A TV não desligava.

            Constatou que a pilha havia acabado.

            Se aproximou da TV e procurou a tomada. Achou-a atrás de um vaso com uma planta. Tirou-a da energia elétrica. O que aconteceu fez Adriel esquecer que estava tonto e fraco. Mesmo depois de ter tirado a TV da tomada ela continuava ligada. Olhou para a tela e os pontinhos preto e branco continuavam lá, e o chiado ainda podia ser ouvido por ele. Olhou para a tomada, para constatar se realmente era da TV. E era.

            Largou-a no chão, assustado, andou até o meio da sala, sem entender o que estava acontecendo. Ficou olhando para a televisão quando, enfim, ela desligou, assustando Adriel.

- Que porra que está acontecendo?

            Após ficar mais um tempo lá quis esquecer o que acabou de acontecer. Devia ser alguma falha com a TV e, que mais tarde, ligaria para o Júlio para notifica-lo sobre os problemas que estava tendo com ela. Foi até o notebook e enviou o seu artigo. Enfim, teria todo o dia para fazer o que quiser. E isso, para Adriel, era passar o dia deitado, lamentando-se de como estava a sua vida.

 

            Ainda não conseguia entender o que estava vendo. Diante do computador, dentro do e-mail que aquela estranha voz pediu para que ela entrasse, via um caixa de entrada e saída vazias. O que era, afinal, que ela deveria olhar dentro deste e-mail?

            O nome “adri30” dava a entender que era Adriel 30, as três primeiras letras de seu nome e a sua idade. Mas este não era o seu e-mail, era adriel-moura@yahoo.com.br. Michelle se questionava de tudo aquilo e resolveu ir embora e, já que tinha saído de seu casulo depressivo, iria visitar Andréia, sua melhor amiga.

            Meia hora em seu carro e parou na frente da casa dela. Olhou a fachada da casa e sentiu vontade de por o pé no acelerador e ir embora de volta para o seu apartamento. Ou então bater forte contra um muro para acabar logo com todo esse tormento. Mas uma voz a tira de seus pensamentos, era Andréia.

- Michelle?! Michelle é você mesmo?!

            Ela olhou para a sua amiga com um meio sorriso, sem jeito. Abriu a porta, saiu do carro e abraçou-a. Não conseguiu conter as lagrimas que logo encharcaram os ombros de Andréia, e os soluços dominaram o ambiente afetando o coração de sua amiga que já sabia os motivos do choro.

- Você sumiu amiga. Soube, por altos, tudo o que aconteceu. Devia ter me procurado. Fiquei preocupada. Liguei várias vezes pra você e não tive retorno.

            Realmente Andréia havia ligado várias vezes, até desistir.

- Venha, entre, tome um copo de água e vamos conversar. – disse, levando-a para dentro.

            Logo Michelle se viu dentro da casa de sua amiga, tomando um chá e contando toda a historia da separação para ela. Ressaltou todo o drama que ela viveu quando, ao acordar, ver que seu marido não estava mais lá, tendo deixado somente as fotos do crime contra o amor que sentiam um pelo outro.

- Estou destruída – dizia, com lagrimas nos olhos.

- Te avisei que isso poderia dar merda. Que era pra largar esse caso. Mas infelizmente ele descobriu. O que pretende fazer?

- Ainda não sei. – disse, se lembrando novamente da ligação. – ontem recebi uma ligação do Adriel, mas não era ele que estava na linha, era outro homem.

- Como assim? – perguntou sem entender.

            E ela contou toda a historia. Contou que alguém, um homem, estranho, de voz rouca, ligou para ela usando o número do Adriel. Disse coisas sem nexos, para ela o achar logo antes que algo acontecesse com ele e tinha lhe dado um e-mail com a senha. Mostrou o papel a ela.

- Viu esse e-mail?

- Sim, não há nada na caixa de entrada e saída. Nada.

- É um e-mail do gmail, pode ser uma conta de celular.

- Será?

- Sabe de quem é?

- Pelo que parece é do Adriel, mas não tenho certeza.

- Ele tem um celular com o sistema android?

- Sim, tem. Comprou esse ano.

- Pode ser que seja do celular dele.

- E que função teria isso para mim? Não há nada lá. – disse, com tom de frustação.

- Não sei te disser. Não entendo dessas coisas. Sei que o Google tem varias ferramentas.

- Quer saber de uma coisa? Não quero mais saber disso. – falou com tom de irritação.

- Tudo bem. Bom, podemos sair pra almoçar. O que acha?

- Realmente estou faminta e a um bom tempo não como comida de verdade.

- Dorme comigo hoje, vai ser bom pra você.

- Acho que aceitarei o seu convite. Preciso, mesmo que por um dia, fugir de tudo isso.

- Vou me arrumar e já volto.

            Michelle ficou lá refletindo. Mesmo tendo dito que não queria mais saber daquele e-mail a curiosidade pelas novas informações lhe tomou. Que tipo de ferramentas poderia ter que ajudaria ela a descobrir onde o seu marido estava? Isso não saiu da sua cabeça. A fala daquele homem também ecoava em sua mente.

“Escuta, acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.

 

Seria mais uma noite sozinho naquela casa excêntrica, agradavelmente fria e confortável. A cabeça e a mão de Adriel latejavam de dor, mas o comprimido que havia tomado estava começando a fazer efeito e logo relaxaria com a ausência da algia momentânea. O que faria naquela noite? Decidiu assistir um bom filme naquela “TV assombrada”. Era como gostava de chama-la agora.

Pés para o alto, almofada embaixo da cabeça, pipoca e cerveja ao alcance da mão e um bom filme de faroeste passando naquela imensa TV. Momentos assim faziam Adriel esquecer a sina ao qual estava passando. Via a vida boêmia que o personagem principal do filme vivia e começava a imaginar tudo o que poderia fazer agora que estava solteiro.

Começou a se imaginar em uma festa, bebendo com alguns amigos, quando nota uma linda ruiva lhe observando. Seus cabelos ondulados cobriam seu olho direito, seus olhar sensual era desafiador e percebia um pequeno sorriso em seus lábios. Imaginava ela vindo andando em sua direção, com um rebolado sensacional e com um decote que valorizava, e muito, seus seios fartos.

Conversavam um pouco e o convidava para ir para um lugar para ficarem mais “a vontade”. Nisso, havia uma ruptura nos pensamentos de Adriel, que o levavam já para o seu carro, com ela ao lado. Ele trocavam beijos e caricias maliciosas, sentia a mão dela percorrer todo o seu corpo até ficar entre as suas pernas. Ela sentia o volume de suas calças e abria o zíper. Colocava o pênis de Adriel para fora e o presenteava com uma chupada que ele nunca havia tido em sua vida.

A imaginação fez com que ele realmente se excitasse, mesmo que nunca fosse ter essas experiências ele gostava de imagina-las. Começou a acariciar seu pênis sob as calças até que resolveu tira-lo para fora. E então, quando deu por si, começou a se masturbar imaginando o boquete daquela ruiva que só existia em sua imaginação.

O ápice estava chegando, ele estava sentindo o gozo vim de dentro de suas entranhas, caminhando por seu caminho natural para chegar até a cabeça do pênis. Os movimentos começaram a ficar mais firmes, fortes e rápidos. Quando algo assusta Adriel perdendo completamente o prazer que estava sentindo.

A luz e a TV haviam sidos apagados de repente.

Ele ficou lá, sentado no sofá, tentando se situar da realidade, com o pênis – agora mole – para fora da calça. Quando pensou em se levantar para verificar o que estava acontecendo a TV ligou. Novamente sozinha e com aquele chiado infernal com os pontinhos brancos e pretos, que já tinham até aparecidos em um sonho que teve.

- Mas que diabo. A luz voltou, mas a lâmpada não acendeu. – disse, enquanto guardava seu membro de volta no lugar e fechava o zíper.

            Pegou o controle e apertou o botão para desligar, mas não desligou. Isso não surpreendeu Adriel, já estava se acostumando a ideia que aquela TV tinha vida própria. Quando ia caminhando até a TV para apertar o botão, uma imagem surgiu na grande tela. Algo que Adriel realmente não esperava. Ele ficou lá, olhando, sem entender nada o que estava acontecendo. Andou de costa até sentir o sofá e sentou nele.

            Estava passando um filme, mas não era um filme comum. Não era o tipo de filme que se assistia na televisão. Nem as transmissoras mais liberais, em altas horas da madrugada, teriam coragem de por um filme daquele gênero. Não era um filme como estamos acostumados a ver com as grandes quantidades de frames por segundo, onde nem percebemos que um vídeo é uma sequencia de fotos. Não era. Parecia mais um slide de fotos, em sequencia, correndo tão rápido que parecia dar vida aos personagens. Podia se perceber os micro segundos que não haviam sido registrados pela câmera, dando a impressão de estar em uma festa com as luzes piscando, dando a impressão de movimentos robóticos aos personagens que aparecem na TV.

            Na tela algo mais cruel e sádico que o quadro que estava na sala. Havia um grupo de homens e mulheres, alguns davam gargalhadas, outros gritavam e tinha aqueles que só olhavam, com sorrisos maliciosos. Sons que não podia ser ouvido por Adriel, gritos e risos que não chegavam aos seus ouvidos. O filme era mudo.

            Logo a frente da multidão havia dois homens, um deles estava encapuzado e em sua mão havia uma grande cerra, parecida com a que os lenhadores usavam para cortar grandes árvores. E o outro sujeito, um jovem, estava ao lado desse homem. Dava o ar de estar nervoso e com medo do que iria acontecer.

            A frente deles, mais afastado um pouco, havia uma mulher. Era tão bela. Os cabelos ondulados ao sabor, pele branca, seios pequenos mais durinhos e suas curvas eram tentadoras, ela estava nua. Havia marcas que tiravam um pouco da beleza, marcas que sangravam, marcas de torturas. Chicotadas, cortes de navalhas e luxações feitas por batidas de porrete.

            Mas não era a imagem da agressão que estava tirando o ar de Adriel, mas o que viria a seguir. Sim, ele sabia o que viria a seguir. Já tinha feito um trabalho a respeito na faculdade de jornalismo. Já tinha apresentando um seminário sobre as torturas da Santa Inquisição. Sim, era disso que se tratava. Aquela mulher iria morrer. E da forma que Adriel mais tinha se arrepiado durante as suas pesquisas.

            Ela não estava simplesmente nua, mostrando o seu corpo marcado para aquele público insano. Ela estava pendurada, de cabeça para baixo, como um animal pronto para o abate. Seu corpo estava entre dois grandes troncos, cada pé amarrado em um deles, fazendo suas pernas ficarem em forma de V. Seus braços, aberto, mostrando o peito para o mundo a sua frente, também amarrados nos mesmos troncos. Embaixo de si uma poça de água, feitas com as lagrimas da sua agonia e do suor de seu corpo.

            Os carrascos estavam lá, conversando entre si, apontando para ela e gritando para a multidão. Do que será que ela estava sendo acusada? Traição? Seria irônico, nas circunstancias da vida de Adriel, estar vendo um vídeo de uma morte da Santa Inquisição de uma mulher acusada de traição.

            O show estava preste a começar. O peito de Adriel se apertou, sabia perfeitamente as cenas que viriam a seguir e realmente não queria ver aquilo. Pegou o controle para trocar de canal, mas sem efeito. Queria levantar para tirar a TV da tomada, mas a sua curiosidade não deixou. Ele estava se sentindo horrorizado com tudo aquilo, mas no fundo queria ver uma adultera ser morta como devia.

            O mais jovem se posicionou a frente dela, o outro, encapuzado (mas dava pra notar ter mais experiência) se posicionou na parte de trás. Realmente Adriel não queria ver aquilo, mas algo o segurava, seus olhos cresceram, esqueceu de que seu organismo o obrigava a piscar. O encapuzado colocou a cerra entre as pernas da mulher, encostando os seus dentes em sua vagina, o corpo da mulher tremeu. Ela se contorceu, mas sentiu os dentes lhe ferindo e parou.

            O rapaz pegou a cerra do outro lado, a mulher começou a chorar e a gritar, percebeu que logo eles iriam começar e, mesmo com a dor, começou a se contorcer novamente Queria se livrar das amarras, mas era inútil. O homem lhe desferiu um soco na costela que a deixou sem ar, paralisando-a, assim poderiam começar o trabalho sem imprevisto.

            Adriel colocou as mãos nos olhos quando viu os dois fazerem o primeiro movimento de corte e a mulher se contorcer de dor. Ficou lá na escuridão que suas mãos lhe faziam por um tempo, criando coragem para ver novamente. Quando olhou novamente a cerra já estava no ventre da mulher. Eles lhe cortavam com maestria, precisão e força.

            O sangue lhe escorria o corpo e derramava torrencialmente no chão. A cerra ia fazendo o seu movimento de vai e vem por aquele corpo ora antes apreciado pela sua delicadeza por Adriel. Já estava passando o umbigo, a mulher não tinha mais forças para tentar, inutilmente naquela situação, escapar. Somente tremia. As tripas começaram a sair de dentro dela, alguns pedaços do fígado começaram a ficar amostra.

            Quando a cerra chegou perto do coração eles pararam. Ela ainda estava viva, a posição favorecia a oxigenação e o fluxo de sangue para o cérebro. Era uma morte cruel, e algumas vezes lenta. Tiraram, sem cuidado algum, a cerra de dentro dela e junto veio pedaços do intestino grosso e delgado que ficaram pendurados em seu corpo.

            Os carrascos olharam por alguns segundos o trabalho bem feito. Um bom carrasco era aquele que torturava sadicamente, e deixava as pessoas ainda vivas, agonizando, com suas tripas e órgãos amostra. Quanto mais tempo sofrendo algum acusado vivia, melhor a reputação do carrasco.

            Então os dois personagens saíram. Os expectadores da morte ainda ficaram alguns segundos olhando aquela mulher e depois foram se dispersando. Parecia tão real. A sensação de que tinha era de que aquilo realmente tinha sido filmado. Mas impossível, eles nem sabia o que era fotografia naquela época. Era algo inimaginável.

            Algo chama a atenção no vídeo. Uma fumaça negra começa a aparecer do chão na frente da mulher. Aos poucos vai tomando forma. Um braço, uma perna, uma cabeça e... um rabo?! Uma figura humanoide se solidifica na frente daquela moça. Um demônio, pelo que parece. Ficou olhando-a por alguns segundos até resolver se aproximar.

            Aquilo os livros e sites que Adriel havia pesquisado não mencionavam. Os demônios vinham buscar a alma dos mortos da Santa Inquisição? Ficava imaginando o que aquela entidade estava fazendo lá quando viu algo que fez a sua janta chegar à boca e voltar. Aquele demônio estava pegando as carnes do sistema delgado penduradas em seu corpo e comendo.

            Ele estava se deliciando com toda aquela farta refeição humana pendurada em sua frente. A mulher, sonolenta, quase deixando o corpo, ainda podia ver aquele ser grotesco comendo as suas vísceras, sem poder fazer nada. Viu quando aquela criatura meteu a mão dentro dela, sentiu suas garras vasculhando algo em seu interior, e de lá arrancou um rim e começou a se deliciar.

            Aquilo era demais para Adriel. Levantou-se rapidamente e tirou a tomada da TV. Ela, dessa vez, desligou no ato. Perguntava-se que diabos era aquilo. O suor e as lembranças das cenas que acabou de ver lhe tiraram a paz. Resolveu ir tomar um banho e dormir, se conseguisse. Amanhã teria que procurar o Júlio para falar da TV.

 

            Michelle nem havia conseguido dormir naquela noite. As palavras daquela voz esquisita havia tirado o sono dela. Olhou para a hora em seu celular, já era quase oito da manhã e nem sinal do sono chegar. Olhou para a porta e viu aqueles raios de luz entrar por baixo e pela fechadura, o dia já havia surgido e ela não tinha animo para levantar. Ouvia-se barulho de aspirador de pó ao longe, sua amiga Andréia já havia acordado e estava cuidando da casa, mas ainda não tinha ido ver a Michelle acreditando que ela estivesse dormindo. Que engano.

            As palavras daquele homem não saiam de sua cabeça. Por que diabos aquele cara iria falar aquilo?

“Escuta, acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.

            Ecoava em sua cabeça sem parar. Esforçava-se ao máximo para entender o que estava se passando. Será uma ameaça a vida dele?

“Escuta, acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.

            Será que ele iria se mudar para um lugar distante a ponto de nunca mais poder encontra-lo?

“Escuta, acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.

            Será que ele teria conhecido alguém que balançou a cabeça dele, apaixonou-se e está para se casar com ela? Mas já? Assim, tão rápido?

“Escuta, acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.

            Michelle não suportou a ladainha e resolveu agir novamente. Pulou da cama e foi tomar um bom banho de água gelada. Depois que se arrumou foi na cozinha com a sua amiga tomar um bom café e falar com ela. Agradeceu por ter lhe acolhido e explicou que iria resolver sua vida. Dito isto partiu em direção para um lugar aonde, ainda, não sabia qual era.

            Resolveu ir para um cybercafé pesquisar sobre as ferramentas que o Google oferece a seus usuários. A pesquisa levou tempo, quase toda a manhã. Quanto mais ela acessava links e descobria algo novo mais se frustrava. Nada do que achava lhe era útil. Perto do horário do almoço, quando estava desistindo e ia sair, ela vê um link que poderia ser útil. Nele estava escrito “Se você tem um celular com o sistema android saiba que a Google tem um relatório por todos os lugares pode onde esteve”.

            Se lembrou que recentemente Adriel havia comprado um Samsung Galaxy Win, o qual possuía esse sistema. Acessou o link para ver sobre o que se tratava. Para poder ter acesso a essa ferramenta o usuário deveria entrar em sua conta Google a qual está no celular e acessar a ferramenta. Será que aquele e-mail era da conta do celular de Adriel? Ela tinha que conferir isso.

            Entrou na conta, procurou o link e o localizou. Demorou alguns segundos e um calendário, com um mapa no lado, surgiu. Marcou as datas do dia em que ele foi embora até aquela data presente. Mais alguns minutos de espera e o mapa abriu, mostrando todos os pontos onde aquela conta esteve. Se encheu de felicidade quando percebeu que realmente era do Adriel, pois um dos pontos marcados era em seu apartamento.

            Olhou para as datas atuais e viu que os pontos se fixaram em uma cidade próxima. Ela não se conteve, tinha que ir lá falar com ele, se levantou rápido, pagou e correu para o carro. Se saísse agora chegaria lá de madrugada. Finalmente poderia ficar cara a cara com o seu amor e pedir perdão. Poderia explicar tudo e, quem sabe, poderiam voltar a ser felizes.

            Mas Michelle, com a felicidade, esqueceu-se da ligação e daquela voz que lhe deu a conta do celular de Adriel. Esqueceu completamente da sensação de perigo que sentira quando ouviu aquela voz.

            O sexto sentido feminino nunca pode ser subestimado.

           

            Ao anoitecer Adriel chega a sua casa, passou o dia fora conhecendo os balneários que existiam naquela cidade. Tinha se divertido muito, bebeu um pouco e tinha até sido paquerado por algumas garotas. Mas seu coração ainda não estava pronto pra sentir o gosto de outra mulher. Poucos dias se passaram depois do acontecido, tanta coisa mudou de um dia para o outro. Realmente não queria ficar com ninguém.

            Ao entrar naquela casa sentiu o frio diferente do que estava acostumado, por alguma razão as centrais de ar estavam no mínimo de grau possível. Ao entrar na sala as luzes começaram a piscar, sem ao menos ter tocado no interruptor.

- Essa casa é louca – disse para si mesmo.

            Apertou o interruptor algumas vezes, mas a luz não desligava. Ficava somente piscando intensamente. Isso começou a irritar Adriel que resolveu deixar daquele jeito e ir para o quarto dormir. Estava exausto. Ao se virar as luzes pararam de piscar, a escuridão tomou conta e logo foi quebrada pela luz da TV, seguidos dos chiados que Adriel já conhecia bem.

             Voltou-se novamente para a sala para contemplar, novamente, aquelas danças de chuviscos de pontos pretos e brancos na tela. Adriel esfregou a mão na cara, realmente estava com raiva daquela situação. Impulsionou o corpo em direção à tomada da TV quando algo na tela lhe chamou a atenção.

            Aqueles pontinhos pretos e brancos começaram a se organizar. Isso era impossível. Os pontos brancos começaram a se aglomerar na parte externa da tela, enquanto os pontos pretos começaram a se juntar no meio, criando uma forma. O processo era lento, mas perceptível. Logo os pontos pretos começaram a dar uma forma humanoide. Surgiram as pernas, um braço, depois o outro, um corpo magro e uma cabeça grande.

            Adriel nunca havia visto algo semelhante. Havia um homem feito de pontos pretos na tela. Aquele formato não lhe era estranho, já havia visto em algum lugar. As garras que foram surgindo nos dedos cumpridos daquela criatura lhe trazia a lembrança de algo. Sim, era a mesma criatura que devorou aquela mulher naquele vídeo que aparecera de repente da televisão. Estava lá, na sua frente, formado por diversos chuviscos pretos de uma tela sem transmissão.

- Mas que porra é essa? – disse Adriel assustado.

            Ele queria ir desligar aquela televisão, mas suas pernas estavam travadas de medo. E o que viu a seguir só fez aumentar o terror dentro de si. Tinha a impressão de que aquela criatura estava saindo de dentro da televisão. Estaria ficando louco? Isso não poderia ser possível. Mas era verdade.

            Uma das exageradamente longas pernas da criatura pisou no chão da sala. As partes que iam saindo lentamente deixavam de serem meros pontos pretos e ganhavam forma real. Tinha uma cor amarronzada, sua pele era fina e tinha uma leve camada de uma gosma transparente, parecida com vaselina.

            Vendo aquela criatura sair de lá, indo a sua direção, fez Adriel temer por sua vida e querer fugir de lá. E foi o que fez. Virou-se rapidamente e correu em direção à porta. O medo fez seu corpo tremer e se atrapalhou na hora de tirar os trincos da porta. Ouvia o som das garras tocando levemente o piso, cada vez mais próximos. Temia em olhar para aquela criatura, só pensava em sair de lá.

            Quando finalmente conseguiu abrir a porta se surpreendeu com alguém que lhe aguardava com um bastão de baseball, que logo foi de encontro com a sua cabeça e o fez perder a consciência. Seu corpo caiu sem movimento na entrada da excêntrica casa sem janelas. E logo foi arrastado de volta por aquele homem que lhe agredira.

 

            Aos poucos Adriel foi retomando a consciência. Ele estava deitado em algum lugar confortável, mas o ambiente estava todo escuro. Começou a sentir a sua cabeça latejar de dor e quando foi pegar no local percebeu que seu braço estava acorrentado. Aos poucos foi percebendo que seu corpo estava preso a uma cama. Ainda não conseguia entender se tudo aquilo era real.

            Quando finalmente a vertigem passou ele começou a tentar se soltar daquelas correntes. O silencio que pairava no ar era quebrado com o som do metal sendo movido pelos movimentos de seus braços e pernas. Começou a gritar por socorro, mesmo sabendo que seus gritos de pânico seriam em vão. Seus olhos tentavam ao máximo enxergar algo naquela escuridão, mas nada conseguia ver.

            Logo parou de tentar escapar e de gritar, pois a sua cabeça começa a doer mais. E lá ficou deitado, respirando lentamente, tentando captar com os ouvidos algum som que pudesse lhe dizer alguma coisa, mas só conseguia ouvir o seu coração bater fortemente em seu peito graças ao medo que estava sentindo. Ele pensava milhões de coisas que poderiam acontecer com ele.

            Uma pequena luz do seu lado direito é acesa, iluminando um pouco o ambiente. A primeira intenção dele era olhar para quem havia acendido, mas o medo não deixou. Ele ficou olhando o teto, imóvel, receoso do que poderia encontrar. Aos poucos foi reconhecendo a cor do teto, a lâmpada e alguns objetos que seu olhar periférico captava. Ele estava em seu quarto, amarrado em sua cama e sentia a presença de alguém o observando e, pelo local que vinha a luz, estava sentado na poltrona ao lado de um abajur.

- Meu caro Adriel, é feio não cumprimentar as pessoas. – disse o homem que o observava.

            Aquela voz era familiar, ele a conhecia. Estava mais mansa, mas não diferente das outras vezes que já havia ouvido ela. Seu coração pulou, sua veia jugular interna parecia que ia estourar, a confusão podia ser notada por sua expressão facial. Ele, aos poucos, foi virando os olhos para o homem que havia lhe agredido e acorrentado em sua cama, queria ver com os seus olhos se era quem realmente pensava ser.

- Sr. Júlio?! – disse assustado.

            Ele estava sentado, com as pernas cruzadas, na poltrona. Em sua mão havia um canivete que estava usando para limpar uma de suas unhas. Seu olhar estava fixo no que estava fazendo e em seu lado, encostado na parede, estava o taco que havia sido usado para agredir o Adriel, ainda manchado com o sangue.

- Por que o susto? – perguntou a Adriel voltando seus olhos para ele.

- O que significa isso?

- Ora, meu caro, não é só essa duvida que esta em sua cabeça não é? – deu de ombros, apontando o canivete para Adriel e dando um sorriso cínico.

- O que eu fiz para você?

- Você não fez nada, ainda irá fazer.

- Como assim?

            Com essa pergunta o Júlio deu uma risada, levantou, puxou a poltrona para o lado da cama, e começou a falar.

- Vou ser curto e grosso. Irei lhe matar.

            Essas palavras atingiram Adriel como uma navalha que perfura um pulmão e faz a pessoa se afogar no próprio sangue. O horror se estampou em sua cara de tal forma que fez o Júlio rir por vários minutos. Gritos de socorro começaram a ser emanados com todas as forças por nosso jovem acorrentando.

- Pare, por favor. – pediu Júlio sem sucesso.

- Pare, já disse. – mais uma vez sem ser atendido.

- Eu disse para parar de gritar. – disse sem ser ouvido.

- Pare! – gritou Júlio enfiando o canivete no tórax de Adriel.

            A dor foi imensa e o grito inevitável. Ele sentiu aquela lamina perfurando a sua pele e dilacerando o peitoral menor. O sangue escorreu e encharcou o lençol. Quando Júlio retirou a lamina e Adriel sentiu a dor novamente percebeu que era melhor ficar em silencio.

- Se você me ouvir quem sabe não viva uns minutos a mais.

            Adriel só balançou a cabeça respondendo que havia entendido.

- Você deve está curioso para saber o porquê tudo isso, não é?

- Não me importa saber. – disse virando a cara para o outro lado.

- Por que não? – perguntou Júlio curioso.

- Saber vai fazer eu me salvar?

- Não, é claro.

- Então não me importa. – respondeu, tirando risos de Júlio.

- Tem um amigo meu que você já deve conhecer, mas gostaria de apresenta-lo.

            Adriel ficou curioso com o que ele disse. Que amigo seria esse? Ele não havia conhecido ninguém naquela cidade, não havia feito amizades, absolutamente nada. Somente algumas palavras trocadas com poucas pessoas logo que havia chegado. Quem haveria de ser? Ele não parava de pensar. Mas seus pensamentos foram quebrados quando sentiu a cama balançando misteriosamente.

            Uma fumaça negra começou a sair das paredes, como se fosse um suor em forma de vapor. Ela começou a se acumular em frente à cama, que não parava de balançar, acompanhada da luz do abajur que não parava de piscar. Aos poucos aquela fumaça começou a ganhar forma. Sim, era quem ele estava imaginando. Aquela mesma criatura que viu saindo da televisão era a que estava surgindo em sua frente. Isso o desesperou.

- Socorro, alguém me ajuda, socorro. – gritava Adriel enquanto tentava se libertar, inutilmente, das correntes.

- Já falei que não adianta gritar. – disse Júlio, enquanto olhava para aquela criatura que acabava de surgir por completo.

- Que diabo é isso?

- Isso, meu amigo, é o meu bichinho de estimação.

            Adriel pode ver agora, com mais clareza, aquela criatura. Tinha dentes enormes, olhos que pareciam dois grandes buracos negros, os braços e pernas eram compridos e finos e as garras eram grandes e afiadas. Seu corpo era inclinado para frente, sua respiração era pesada e uma gosma negra gotejava de sua boca que sempre ficava aberta.

- Meu Deus! Me solte pelo amor de Deus. – implorou Adriel.

- Meu caro Adriel, Deus não está nessa casa.

- O que você quer comigo? Quem é você? Que monstro é esse?

- Se lembra de um filme que passou na TV, uma mulher sendo morta na inquisição, e logo depois apareceu uma criatura para comer as suas vísceras?- perguntou, vendo a confirmação com o balançar de cabeça de Adriel. – Pois então. Eu era o homem encapuzado e aquela criatura é esta que está na sua frente.

- Impossível. – disse Adriel instintivamente.

- Por que acha impossível?

- Você não viveria tanto tempo assim.

- Você está diante de um demônio, vindo do inferno, e não acredita que eu possa ser imortal?

            Essas palavras fizeram sentido para Adriel, que além de assustado estava surpreso diante de todo esse fenômeno que estava presenciando. Nunca havia imaginado que, no mundo, houvesse tantas coisas ocultas.

- Como isso é possível?

- Simples. Esta criatura é minha propriedade, eu a fiz nascer. E tendo ela sob meu poder ela pode me dar o que eu quiser. Basta eu alimenta-la.

- Como?

- Ela mostrou, na televisão, uma lembrança minha. Algo para te aterrorizar e mostrar o que iria vir. – disse enquanto cortava a camisa de Adriel com o canivete, deixando o peito amostra e lhe causando horror. – você já deve ter ouvido falar no livro de São Cipriano certo?

- Sim. – respondeu sussurrando, com medo de ser cortado pelo canivete.

- Os anos o fizeram mudar completamente. Aqueles feitiços não funcionam, estão completamente diferentes. Nele há um que ensina como fazer um demônio nascer de um ovo.

            Adriel fica escutando atentamente, olhando para o demônio e sentindo o ar gelado em seu peito desnudo.

- Não cabe aqui eu ensinar como fazer uma criatura dessas vim para o mundo. Quando eu era carrasco da inquisição eu tive acesso a esse livro, o livro verdadeiro, e fiz esse feitiço. Logo tive o meu demônio particular e com ele a vida eterna. Usei muitas pessoas daquela época para alimenta-lo. Agora está cada vez mais difícil. Me mudei para cá e uso essa casa para atrair minhas vitimas.

- Então vai me usar como comida?

- Na verdade não.

- Como assim?

- Meu caro, a carne do demônio tem prazo de validade. Logo ele morrerá e a alma dele voltará para o inferno, e com isso eu morrerei. Eu não quero.

- Você fará novamente o ritual? Então vou ser um ingrediente? – disse, cada vez mais assustado.

- Também não, você é mais uma isca.

- Isca? Como assim?

- No livro de hoje diz que precisamos de um ovo. Mas não é verdade. O ovo é símbolo de uma nova vida. Se formos colocar essa simbologia nos seres humanos o que teremos?

- Eu não sei. – disse Adriel sem poder pensar com todo aquele horror.

- Bom, acho que já chega de papo, não é mesmo?

- Se eu sumir as pessoas irão perceber e irão chamar a policia.

- Não se preocupe, eles sabem de tudo. Eles não farão nada, eles tem medo. Eles sabem que a policia não podem defendê-los de algo que vai além dos poderes humanos.

            Adriel tentou se livrar das correntes novamente, sem sucesso. Seus gritos ecoavam pela casa, mas nenhuma resposta do mundo de fora. Aquela criatura ficava lá, parada, vendo o seu mestre enfiar o canivete no tórax de Adriel e, com um movimento vertical, ia cortando todo o seu abdômen. O corte era perfeito, feito bem na linha alba, deixando amostra todas as suas vísceras, mas sem danificar um órgão. A dor era grande, os gritos tomavam conta do ambiente e se podia perceber a sede daquela criatura pelo sangue que escorria do infeliz.

            O corte parou próximo ao pênis. Júlio sentou novamente na poltrona e ficou apreciando o seu trabalho, enquanto Adriel agonizava em cima da cama. Logo a criatura, sedenta por carne e sangue, subiu em cima da cama. Adriel ainda tentou se libertar, seus movimentos fizeram parte do seu intestino delgado sair, o que provocou mais a fome daquele demônio.

            As garras da criatura foram adentrando a barriga de Adriel, vasculhando, cortando, até que encontrou o que procurava, agarrou e de lá arrancou um rim. A dor foi insuportável. Adriel viu aquela criatura, com duas mordidas, comer um rim inteiro. Novamente outra investida e de lá seu outro rim foi arrancado e devorado.

            A dor e a perca de sangue estava fazendo Adriel ficar tonto, fraco e com a visão embasada. Ele ainda conseguia ver aquela criatura devorando as suas vísceras como um desesperado. Ele estava morrendo, sabia que logo a sua alma deixaria aquele corpo. E nos últimos segundos que lhe restavam ele se lembrou do que Júlio havia dito: “... você é mais uma isca”. Isca para o que? Isca para quem? E foi pensando nos planos de Júlio, e vendo aquela criatura lhe devorar, que Adriel deu adeus a sua vida.

 

            A madrugada havia chegado e com ela surgiu luzes de um farol de carro em frente aquela casa, era Michelle que havia acabado de chegar. Demorou mais do que havia previsto por que ainda tinha ido a seu apartamento pegar algumas coisas, o que se arrependeu depois de ter feito.

            Desligou o carro e ficou olhando aquela casa esquisita, não havia vizinhos nem janelas. Ficou se perguntando como Adriel havia chegado até aquela casa. Ficou lá, pensando, sabendo que estava próximo de seu amado e tudo o que aconteceria ali poderia mudar tudo o que estava acontecendo. Mas ela não deixava de se lembrar do que havia acontecido.

            Ao chegar a seu apartamento encontrou, na porta, Roberto. Tentou manda-lo ir embora, mas ele não quis. Tinha muito que falar e não sairia dali sem dizer tudo o que estava preso em sua garganta. Acabou cedendo e deixando-o entrar.

            Juras de amor, declarações e pedidos de desculpas. Roberto usou de todas as artimanhas para que Michelle ficasse com ele, mas ela estava convencida de que ele era o culpado de tudo o que havia acontecido. Novamente estava o expulsando de novo quando este não se segurou e lhe roubou um beijo.

            No inicio ela tentou empurra-lo, bate-lo, mas foi cedendo ao calor do corpo, ao beijo guloso e a capacidade que ele tinha de faze-la esquecer do mundo. Ela não entendia como conseguia se entregar a ele sem o amar. Quando percebeu ela estava na cama com ele, de quatro, enquanto ele a penetrava com vontade.

            Após o sexo selvagem que estava acostumado a fazer, Roberto adormeceu. Michelle, ao seu lado, ficou imaginando se ela realmente deveria ir atrás de Adriel ou ficar com o homem que acabou de dar. A vida com ele não seria tão ruim. Decidiu, então, ir atrás de Adriel. Encontrar com ele lhe daria as respostas.

            E a mesma duvida estavam na cabeça de Michelle naquele momento. Será que ela deveria entrar e falar com o Adriel ou voltar para os Braços de Roberto?

- Você já veio até aqui, não pode desistir agora. – falava para si mesma.

            Saiu do carro e decidiu encontrar com o homem que havia traído. Parou em frente à porta e ficou alguns segundos respirando e criando coragem para encontra-lo. Quando bateu na porta percebeu que ela estava aberta. Segurou-a firme e lentamente foi abrindo e entrando. Logo notou que as luzes da casa estavam todas desligadas, com exceção da sala que transmitia uma luz fraca.

            Ao chegar na sala percebeu que alguém estava sentado em uma poltrona, e ao seu lado havia um abajur com uma luz bem fraca, fazendo o rosto daquele homem ficar oculto na escuridão. Ela se aproximou um pouco e forçou os olhos para enxergar aquela pessoa. Logo, percebeu que reconhecia aquele corpo.

- Adriel, é você?

            Aquele homem estendeu a mão até o abajur e aumentou a intensidade da luz, e logo seu rosto pode ser visto, mesmo que não completamente. Sim, era o Adriel que estava sentado lá, mas havia algo de diferente. Ele estava pálido, seus olhos estavam sem vida e sua boca seca.

- Amor, o que houve com você? – disse Michelle percebendo a decadência física de Adriel.

- Foi só uma doença, mas já estou melhorando. O que você está fazendo aqui.

- Eu. – disse Michelle querendo chegar ao ponto. – vim pedir perdão pra você.

- Você acha que eu devo lhe perdoar por ter transado com o meu melhor amigo?

- Eu não o amo. Eu amo você. Eu fui usada Adriel. Ele me seduziu, me enganou, e você não tem noção de quanto estou sofrendo por sua falta.

- Eu também estou sofrendo.

            Michelle ficou feliz com essas palavras, de alguma forma sentiu que teria chance de quebrar as defesas de Adriel. Mas sentiu um incomodo no coração, pois ele não demonstrava nenhuma reação, nem raiva, nem piedade, nem amor. Seu rosto estava imutável com o que estava acontecendo.

- Tem certeza que você está bem? – perguntou preocupada.

- Nunca estive melhor. E tudo vai melhorar por que você está aqui. – disse se levantando e abrindo os braços.

            Ela correu em direção a ele, abraçando-o e chorando de felicidade. Não acreditou que seria tão fácil. Ela achava que seria expulsa e acusada por traição, mas não foi. Só o amor que ambos sentiam um pelo outro era a explicação pelo perdão.

            Logo eles estavam no quarto, se despindo, deitando na cama. Ela sentia aquele corpo frio, aqueles lábios secos e aquele pedaço gelado de carne lhe penetrando. Ele estava realmente doente, acreditava. Mas a sensação de felicidade por tudo ter sido resolvido lhe extasiou de qualquer outro pensando que não fosse aquele prazer carnal que o sexo estava proporcionando.

 

            Seus olhos se abriram na escuridão no quarto e a sensação de conforto e relaxamento, após o sexo, dominou o corpo da Michelle. Ela sentiu o seu amado ao seu lado, dormindo, e imaginou o que ele estaria sonhando e o que seria deles daqui pra frente. Resolveu lhe acariciar, passou a mão por seu cabelo e rosto, ainda estava gelado. Foi descendo suavemente por seu tórax, até chegar na barriga, e percebeu que havia algo de estranho.

            Havia uma proeminência que dividia sua barriga, como uma cicatriz, e pequenas bolinhas com pontas por toda essa área, como se houvesse sido cortado e costurado. Isso a assustou, ela tinha que ver o que era aquilo. Levantou, pegou o seu celular e ligou a lanterna.

            Era o que está pensando. A barriga de Adriel foi cortada e costurada com linhas de nylon, as mesmas usadas nela quando se acidentou na adolescência. No escuro, com a pouca iluminação vinda do celular, deu para notar o horror que o rosto dela emanava. Chamou-o algumas vezes, balançou a sua perna, queria acorda-lo e perguntar o que havia acontecido, mas não houve resposta.

            Ao aproximar o celular no rosto dele ela gritou, ele não estava respirado. Sacudiu varias vezes aquele corpo, chorosa, gritando o nome dele, mas nenhum movimento. Decidiu sair dali e pedir socorro, mas quando foi abrir a porta percebeu que estava trancada. Gritos de socorro, vindos dela, ecoaram pela casa, seguidos de chutes na porta. Mas ninguém iria aparecer para ajuda-la. Foi, então, que um barulho vindo da cama lhe chamou a atenção.

            Ao focar a lanterna do celular na cama notou que o corpo de Adriel estava fazendo pequenos movimentos. Ainda soluçando ela se aproximou, sussurrando o nome dele, mas ele não respondeu. Alguma coisa de estranho estava acontecendo na barriga dele. Aproximou-se mais e conseguiu ver.

            Haviam oito garras negras que estavam saindo pela incisão e forçando a parede abdominal para lados opostos, forçando os pontos que iam cedendo e rompendo com a força. Ela colocou a mão na boca, impedindo o grito, e não tirou os olhos daquela cena inacreditável. Por alguns minutos achou que estava sonhando, mas ao ver longos braços saindo de dentro do Adriel e uma cabeça grotesca com uma enorme boca e dentes afiados olhando para ela, percebeu que ali não devia ficar.

            Jogou o celular no chão, o qual continuou iluminando malmente o ambiente, e começou a desferir golpes contra a porta e a pedir socorro. Olhava para trás e via aquela criatura saindo de dentro do homem que tinha transado até pouco tempo. Novos golpes contra a porta, mas sem sucesso. Virou-se para aquela criatura, encurralada, e viu-o andando lentamente em sua direção. Um grito de horror invadiu aquele quarto, sua visão embaçou, suas pernas amoleceram e, antes que pudesse ver o que a criatura iria fazer com ela, acabou desmaiando.

 

            Ainda não tinha ideia, nem noção, de onde estava e o que estava acontecendo. Tentou abrir os olhos, mas a grande luminosidade do ambiente forçou-a a fechar novamente. Começou a sentir o seu corpo, estava nua, percebeu que seu braço estava estendido acima de sua cabeça e seu pulso estava dolorido, seus pés balançavam no ar e estavam amarrados. Ela estava pendurada, amarrada pelos braços, em algum lugar que ainda não sabia onde era e nem por que estava ali.

            Foi abrindo aos poucos os olhos, deixando sua retina se adaptar. Estava em uma sala que nunca havia visto. Em suas pernas havia cordas muito bem amarradas e em seus braços correntes presas a uma pulseira de ferro, muito bem apertadas. O peso de seu corpo e a gravidade estava deixando cada vez mais seus braços doloridos.

            Na sala havia vários balcões, com diversas facas e ferramentas de açougueiro, além de outros utensílios que não fazia ideia do que seria. Começou a chorar, o medo lhe invadiu e as lembranças daquela criatura lhe dominaram. No chão de onde estava havia manchas mal lavadas, que podia jurar que outrora era sangue que havia sido derramado naquele local. Ela tinha certeza, não sairia viva de lá.

            A porta que estava a sua frente foi aberta e de lá surgiu um homem. Ele fechou a porta calmamente e voltou-se para aquela mulher e ficou a olhando por alguns segundos, lhe dando um sorriso cínico e aterrorizador.

- Bom dia senhorita. – disse ele retirando o chapéu e curvando-se um pouco para frente.

- Quem é você? O que você quer comigo? – respondeu gritando, entre o choro e soluços.

- Sou um amigo de seu marido. O locatário desta residência.

            Então ela estava em algum lugar dentro da casa.

- O que você fez com o Adriel?

- Fiz o que tinha que ser feito. Precisava de você.

- Como assim?

            Aquele homem começou a dar risadas que aterrorizaram o coração de Michelle. As luzes começaram a piscar e uma fumaça negra começou a sair de dentro das paredes. Aquela fumaça foi se acumulando em sua frente, ganhando forma, até surgir aquela criatura que havia saído das entranhas de seu amado.

- Meu Deus! – gritou desesperada. – Me solte. Me solte, pelo amor de Deus.

- Deus não está aqui, minha cara.

            O homem foi andando, olhando para o balcão, procurando algo até que, entre várias facas, tira uma. A olha, verifica se esta afiada e anda em direção a mulher pendurada que está aterrorizada com a criatura. Ela, vendo o que estava fazendo, voltou-se pra ele, implorou para que a solta-se, que a deixa-se viva. Mas ele parecia não se importar com as suplicas.

- Sabe, tive que fazer aquilo com o seu marido. Foi o único meio que achei de fazer você transar com este demônio.

            Ela ficou aterrorizada com o que ele tinha acabado de falar. Ainda não havia pensado na possiblidade de que havia transado com aquela criatura grotesca.

- Meu Deus, por que fez isso?

- Foi o que eu disse para o Adriel. Preciso de um demônio novo, pois logo este aqui irá morrer.

- E por que tu queres uma criatura dessas? – disse, chorando, tentando alongar a conversa ao máximo.

- Vida eterna, minha cara. – disse sorrindo. – vida eterna.

- E por que precisa de mim?

- Quando seu marido chegou aqui, inicialmente só iria usa-lo para alimentar este demônio. Mas quando eu vi o motivo ao qual ele tinha se mudado para cá, vi a grande possiblidade que eu estava esperando.

- Como assim? – perguntou, ainda tentando alongar o máximo a conversa.

- Irei usa-la para o ritual.

- Como? Por favor, não faça nada comigo. – implorou.

- Somente o ventre de uma mulher adultera pode ser fecundado por um demônio.

            Essas palavras dilaceraram o coração de Michelle. Ela nunca poderia esperar ouvir as palavras “mulher adultera” naquelas circunstancias. Sua traição não só matou o Adriel, como também daria a chance daquele homem colocar na terra mais um demônio somente pra saciar a sua ambição de viver para sempre.

- Não se preocupe, irá se rápido. – disse, enfiando a faca no ventre de Michelle.

            Michelle gritou, se contorceu, tentou se livrar das correntes, mas foi tudo em vão. Seu corpo agora estava agonizando pela perfuração daquela lamina que cortava a sua pele. Júlio colocou a sua mão dentro do ventre de Michelle, cortando suas entranhas, e de lá retirou o útero dela, intacto.

            Sob os sons de dor de Michelle, ele foi levando aquele pedaço de carne até um balcão e retirou o pano de cima de algo que estava escondido até agora: um baú de prata. Abriu-o e colocou lá dentro o útero de Michelle.

- Pronto, agora é só esperar ele nascer.

            Voltou-se para Michelle, olhou-a agonizando por alguns minutos, e começou a observar o seu corpo nu e o sangue que escorria por sua perna e gotejava no chão. Ver aquela mulher deixou o excitado e logo podia se notar o volume em sua calça. Não aguentando, abriu o zíper e tirou o seu pênis.

            Chegou perto de Michele e começou a toca-la, encheu sua mão com seus seios, chupou-os, lambeu. Começou a se masturbar olhando e a tocando, enquanto ela gritava e se contorcia de dor e medo. Por várias vezes levou os seus dedos até a sua vagina e anus. E ficou assim até gozar. Satisfeito, se ajeitou e saiu, dizendo para a sua criatura:

- É toda sua.

            Michelle estava tonta, quase desmaiando devido à perda de sangue. Mas ainda ouviu o que aquele homem tinha dito. Ainda viu, com a visão meio embasada, quando aquela criatura lhe enfiou as garras pelo corte que Júlio havia feito, e puxou de lá parte de seu intestino delgado. A dor foi insuportável. Michelle ia desmaiando, morrendo, e sua ultima visão neste mundo foi contemplar aquela criatura, agachada em seus pés, devorando a suas vísceras.

 

            Júlio saiu por trás daquela grande TV que cobria quase toda a parede. Havia uma passagem secreta lá que, por uma escada, dava acesso ao um compartimento no subsolo. Era onde ele levava as suas vitimas para alimentar aquele demônio.

            Fechou a passagem e olhou toda a casa para certificar de que nada havia que o comprometesse. Ao sair da residência foi até o seu carro e de lá tirou uma placa. Pendurou-a na porta, deu alguns passos para trás e contemplou aquela residência. Deu um sorriso malicioso, entrou no seu carro e foi embora.

            Na placa estava escrito, em letras garrafais, que aquela residência estava disponível para ser alugada. Assim como as lâmpadas atraem as moscas para a morte, aquela casa atraia os desesperados por um recomeço. A única casa, daquela cidade, que estava disponível para que alguém pudesse começar vida nova. Sem saber que lá seria o fim.

            E então? Você está em busca de uma casa para morar?

 

FIM

Contratos quebrados.

Absorto, ele fixava sua visão no teto enquanto sentia os delicados dedos dela tateando seu tórax, deleitando-se com os resquícios de prazer ...