terça-feira, 26 de setembro de 2017

O Primeiro Encontro


Gertrudes ainda não acreditava que havia recebido o convite para um encontro de Palomo, um dos rapazes mais cobiçados na sua cidade. Homem alto, forte, bonito, vistoso. Olhar para ele é como estar olhando para o galã das novelas das nove... Ela suspirava ao pensar que logo, logo, estaria pertinho dele. Foi até o quarto, se olhou no espelho. Corpo magro, sem atributos que chamariam muita atenção. 


Leitora, nerd, geek, delicada, timída. Seus óculos cobriam grande parte de seu rosto, sua roupa denotava seu estilo de vida. Olhou novamente para o espelho, vendo seu corpo nu e pensou nas mulheres encorpadas dos comerciais de cerveja, sempre cobiçadas por todos os homens em volta. Palomo bebia? 

Girou seu corpo, olhou um lado, olhou para outro. Palomo sempre frequentava os melhores lugares da cidade, carregada de gente bonita, comunicativa, que falava de assuntos que ela não entendia. Tirou os óculos e tentou ver seu reflexo no espelho. Soltou os cabelos. Quando foi a ultima vez que passou um creme neles? Os cheirou. Nada mal. Viu seu armário e percebeu que nem creme para pentear tinha. 

Palomo sempre tinha as mulheres mais cobiçadas rastejando em seus pés. Será que ela tinha alguma cinta pra apertar a barriga e aparecer alguma cintura? Abriu o guarda-roupa e no meio de pelúcias de personagens da Nintendo, turma do Chaves, personagens da Disney, Angry Birds, e outros, não encontrou nada que pudesse ajudar. 

Voltou pra frente do espelho. Palomo... Palomo... Por que será que ele havia a convidado para sair? Trabalhavam há tanto tempo juntos, e ele sempre a tratou normal, falavam sobre qualquer coisa, nunca demonstrou nenhum interesse... Interesse... Qual será o real interesse nesse encontro. Cinéfila, começou a pensar nos filmes de romance juvenis que já havia assistido. Aposta? Alguém havia apostado com ele se sairia comigo. Será que deixaria ser usada assim? Entrou no seu grupo de amigas do Whatsapp. “O que você tem a perder?”, uma perguntou, “Talvez a dignidade”, ela pensou. 

Olhou novamente para o espelho, percebeu que já fazia um tempo que não via o sol. Nos finais de semanas, enquanto seus amigos e conhecidos iam para praças, praias, etc, ela ficava em frente ao computador jogando League of Legends, ou se atualizando nas montanhas de séries que acompanhava. 

Maquiagem, roupa, como iria aparecer em frente ao Palomo? Era um encontro, não podia ir com os mesmos vestidinhos de menina que ia para o trabalho. Tinha que ser algo diferente. Internet. Resolveu entrar nos sites e pesquisas as coisas que estavam na moda no visual das mulheres. O que era aquilo na sobrancelha da mulher? Carvão?! Viu algumas maquiagens e se lembrou da boneca Annabelle. Riu. Viu algumas roupas e percebeu que não teria coragem de sair com algo que parecia somente um sutiã com uma calcina. Estava complicado seguir as novas tendências das pessoas normais. Olhou para o chão, tinha um enorme estojo de maquiagem disponível, que somente usava quando ia para eventos de Cosplay. “Acho que vou fazer só o básico mesmo”, pensou.

Andou para um lado, andou para o outro. Voltou pra frente do espelho. Nunca havia parado por tanto tempo para ver seu corpo, até porque ela nunca tinha visto nada que lhe chamasse atenção. Sabia que muitas de suas conhecidas ficavam horas admirando seus peitos e bundas compradas em clinicas ou fabricadas em academias. Ela tinha pavor de academias. 

Abriu seu guarda-roupa. Calças, camisas, calcinhas e sutiãs voaram até a cama. Por que era tão difícil assim ter um encontro? “Falta de experiência, quem sabe”, pensou. Era tão fácil adentrar em uma área desconhecida nos jogos, mesmo com o receio de que algo horrível lhe aguardasse. Ela não estava correndo risco de vida, então por que tanto medo? Humilhação?! Já não havia sido vacinada disso quando criança, na escola? Que tipo de atitude Palomo poderia tomar que alguém já não tenha feito na sua adolescência? 

Vestiu uma calça jeans rasgada nos joelhos, calçou um tênis preto, e resolveu usar uma camisa preta com o símbolo da casa Stark... Esperava que vestir o negro não lhe trouxesse mal agouro. Talvez o norte lhe protegesse como protegeu alguns Stark’s em sua jornada até o momento.

Voltou para o espelho, gostou do que viu, mas não viu alegria em seu rosto. Ela não estava se vestindo para agradar a si, mas para agradar o Palomo. Será que ele iria gostar? Não, claro que não. Um homem que teve mulheres que mais pareciam modelos, usando roupas lindas. Como ele iria achar agradável sentar a mesa com alguém vestido como se tivesse indo pra um ritual de suicídio coletivo?

Olhou para suas roupas, e não se diferiam muito do que estava usando. Suspirou, olhou para o espelho novamente. Que merda! Pegou suas chaves, olhou novamente o seu quarto e todas as coisas espalhadas. Seu computador ligado. Suas roupas por todo o canto. Era ela exatamente daquela forma, e sabia que diferia muito do universo em que o Palomo vivia. Virou as costas para seu quarto, virou as costas para o seu medo, e saiu.

Chegando ao restaurante perguntou a hostess sobre Palomo, ela mostrou e ofereceu que a levasse até ele. Recusou. Foi andando, lentamente, até o rapaz. Ele estava de costas para a entrada, então ela somente ficou apreciando aqueles cabelos louros. Olhou em volta e viu algumas pessoas a olhando, cochichando. Algumas mulheres lhe fuzilavam com os olhos. Sentia que todo o restaurante a censurava por estar ali, invadindo o seu mundo com aquela imagem de si tão diferente do que eles acreditavam ser o normal, o correto.

Toda a sua fragilidade veio à tona, seus medos retornaram mais fortes, violentos, apavorantes. Seus pés pararam, suas mãos tremeram. Ela recuou, quase chorando, e partiu, deixando Palomo para trás sem nenhuma resposta.

Passou-se uma hora depois do ocorrido. Janelas trancadas, luz desligada, fastfood’s espalhados por toda a sala. Gertrudes estava no sofá, encolhida no edredom, revendo a luta do Perdigueiro com Brienne. Olhava, tristonha, para a tv enquanto a Bela de Tarth socava a cara do Sandor Clegane.

Entendia a Brienne. Era uma mulher triste, magoada, assustada, humilhada, sem amor e carinho de ninguém, mas que conseguia se impor no mundo com a sua força e determinação. Duas qualidades que ela não possuía, e sentia inveja da personagem por isso. No primeiro ato de coragem que ela havia tomado, caiu no primeiro obstáculo.

Toc Toc

Alguém havia batido, ela se voltou para a porta, o chaveiro com o boneco do Rick Grimes ainda balançava com as batidas.

- Gê, eu sei que está ai, estou ouvindo o som da televisão. – a voz do outro lado disse.

Com certeza era o Palomo, e isso a assustou, ela ficou uns cinco minutos calada, olhando para a porta que batia insistentemente. Jogou o edredom no chão e olhou a bagunça que estava ali, e pela primeira vez percebeu que o odor do lugar não estava muito agradável. Tentou pegar o máximo de lixo que conseguiu, jogou fora. Abriu as janelas e jogou um Bom Ar no local. Percebeu que as batidas haviam parado. Havia indo embora ou se quietou porque ouviu os sons de seu desespero?

- Ainda estou aqui. – Palomo disse do outro lado, como se adivinhasse seus pensamentos.

Olhou para si e viu que estava com uma camisa três vezes maior que se tamanho, que havia roubado de seu irmão porque amara o desenho do Link que estava nele. Andou até a porta e a abriu. A primeira coisa que veio aos seus olhos foi o sorriso de Palomo.

- Foi difícil achar a sua casa. – ele disse. Ela ficou um tempo olhando para ele, não acreditando no que estava vendo. – Posso entrar? – ele perguntou.

- Ah! Desculpa. É claro, entre. Não repare a bagunça. – ela disse, sem jeito. Ele riu.

- Desculpe os risos. Minha mãe fala assim. “Não repare a bagunça”. Como se a outra pessoa também não fosse bagunceira. – Palomo disse, e riu novamente.

- Me desculpe por... – Gertrudes tentou se explicar.

- Não, relaxe. A Hostess me falou o que havia acontecido e eu meio que entendi o porquê você saiu sem falar comigo, quase chorando. – ele disse, entre sorrisos.

- Não sei como.

- Eu te comprei isso, de presente. – ele estendeu um embrulho. Ela abriu o presente o viu algo que não acreditou. – Você havia me dito que estava louca pra comprar este livro.

Ela olhou o livro. Animais Fantásticos e Onde Habitam. Ela ia contar que já havia comprado, mas quando viu os olhos dele cheios de alegria resolveu guardar para si, percebendo que não era o presente o verdadeiro presente, mas sim o fato dele ter lembrado dela, de um desejo seu, de algo que ela havia dito. Isso tornava aquele exemplar único, especial, querido.

- Por que você quis sair comigo, Palomo? – Ela o questionou. – Somos tão diferentes.

- Olha... – ele sorriu. – Exatamente por você ser diferente que eu gosto de conversar com você. Falamos de assuntos tão legais. Comecei a assistir animes, séries e essas coisas só pra entender melhor e poder conversar com você.

Ela, então, notou o quanto foi idiota. Ela já está tão acostumada a conversar sobre essas coisas, que para ela falar sobre isso é comum e nunca havia parado pra pensar no esforço que Palomo fazia para entender o mundo dela, se encaixar, participar daquilo que ela gostava. Ele sempre demonstrou o interesse nela, mas ela era muito burra pra perceber. E, se ele faz esse esforço, porquê ela também não poderia? Sentiu-se idiota ao lembrar-se do restaurante.

- Me desculpa por ter te dado furo. – ela se lamentou.

- Relaxa, ainda temos tempo de fazer algo legal. – ele disse. – Que tal um cinema?

Ela não estava acreditando que Palomo esta ali, em seu apartamento, dizendo que gostava dela e insistindo que saíssem juntos.

- Vou me arrumar. – e ela saiu.

Voltou com a mesma roupa que havia usado para ir no restaurante. Pegou sua chave e saiu pela porta mas notou que Palomo não a seguiu, mas ficou parado no meio da sala, olhando para ela.

- Você está tão linda. – ele disse, admirado.

Ela corou pelo elogio que nunca recebera na vida, e se sentiu mais idiota ainda por se lembrar de toda a preocupação que havia tido horas antes em seu quarto.

- Vamos. – ela disse.

E ele saiu, segurando a sua mão e fechando a porta.

Contratos quebrados.

Absorto, ele fixava sua visão no teto enquanto sentia os delicados dedos dela tateando seu tórax, deleitando-se com os resquícios de prazer ...