quinta-feira, 30 de abril de 2015

Dia 29 de Abril de 2015

Não sabia o que estava fazendo ali. Na verdade, sabia sim o que fazia. Estava obedecendo às ordens que haviam se dirigido ao nosso batalhão. Mas o motivo, quais eram? Nenhum de nós sabia ao certo o porquê tínhamos que fazer aquilo. Era repugnante fazer parte de toda essa chacina.

A fumaça das bombas de lacrimogênio dificultava a visão. O caos estava tomado. Ouvia os latidos dos cachorros se atirarem contra os manifestantes. Tiros de balas de borracha estavam sendo tão comum quanto o ar que respirava. Gritos de dor e de revolta ecoavam por todo o lugar.

Mas não podíamos deixar de fazer nosso papel. Mas que papel era esse? Quando me formei na academia fui lançado na sociedade com o intuito de servir e proteger. E agora cá estou, com o meu cassetete em mãos, lançando-o com toda a força contra os professores que estão aqui, somente pedindo pelos seus direitos.

Servir e proteger. Sempre pensei que era para servirmos e protegermos a população. Agora vejo o quanto estava errado. Servimos e protegemos o Estado. Somente o Estado. A população tem que se virar.

Vejo gotas de sangue saindo da boca de uma senhora e criando uma pequena poça no chão. Ela se vira para mim. Meu Deus! Dona Carminha, professora da minha pequena princesa. Meu cassetete acabava de abrir um corte na boca da professora de minha filha. Ela não me reconheceu, devido o capacete. Na verdade, nem eu estava me reconhecendo ali.

Fiquei tonto, desnorteado. Pessoas correndo para todos os lados. Corpos jogados no chão. Mortos? Desmaiados? Não sei. Quero ir embora daqui, mas não deixam. Posso ser preso se desobedecer à ordem. Posso perder meu emprego se não meter o cacete nesses professores.

Então eu meto.

O massacre aos educadores demora quase duas horas, até que enfim a guerra acaba. Sim, aquilo foi uma guerra. Que nome eu daria para isso? Confronto? Baderna? Não, com certeza não. Aquilo foi uma guerra declarada do Estado contra a educação brasileira. Contra a educação de meus filhos. E, infelizmente, estou do lado errado.

No fim de tudo volto pra casa, em meu carro. Ouço o rádio e escuto as noticias sobre o “confronto” entre manifestantes e policiais. Culpam-nos pelo caos que aconteceu. Como assim? Não tivemos culpa. Não somos nós que demos as ordens.

Ao chegar em casa minha filha vem correndo e me abraça, e me mostra um desenho. “Foi a professora Carminha que me ensinou, antes de começarem a greve” disse ela para mim. Não consigo conter algumas lagrimas quando me vem à imagem da professora, no chão, perdendo sangue pela boca devido um golpe meu.

Somos policiais, instrumentos usados pelo Estado. A ferramenta perfeita. Além de usarem-nos como repressão, usam-nos como bode expiatório. Minha filha continua a desenhar do jeito que a professora Carminha ensinou. A professora, talvez, esteja no hospital fazendo uma sutura em sua boca.

E eu fico aqui, chorando. Por saber que estou contribuindo para a destruição da educação de minha pequena filha.

FIM

Um comentário:

  1. Chocante cara.... teu texto é muito bom!! de verdade!
    Adorei o ponto de vista que você usou.
    Esse conto devia ser mais difundido, seria famoso.
    Abraços, Thyago.

    entreacanetaeopapel.wordpress.com

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