A cidade dormia naquela madrugada se preparando para as homenagens, que começariam logo ao amanhecer, à todas as mães. Mas nem todos estavam repousando em seus travesseiros, tranquilos, com os presentes escondidos que dariam ao acordar.
Ninguém desconfiava do que estava acontecendo dentro dos muros do cemitério velho. As neblinas densas se espalhavam até perder de vista entre as catacumbas e túmulos. O vento uivava e chacoalhava as poucas árvores do local.
Entre os mortos que repousavam, um vivo trabalhava. Um homem, agasalhado por um grosso casaco, cavava sem descanso um dos túmulos que se escondia no ventre daquela terra. Sua pá, a cada enfiada naquela terra molhada, desnudava cada vez mais aquele leito eterno.
Horas se passaram debaixo do céu nublado até que aquele homem desconhecido, enfim, achou o que procurava. O caixão parecia ainda intacto, mesmo com os anos que se seguiram após ser enterrado. Seus olhos passearam por aquela madeira, seu cérebro lhe trouxe a imagem do que havia ali e seu estomago ameaçou agir caso ele abrisse aquilo.
Mas ele deveria abrir.
Subiu no buraco que havia cravado na terra, e voltou com uma grande bolsa. Seu rosto pingava o suor do cansaço físico. Tragou uma grande quantidade de oxigênio e resolveu tirar a tampa.
O cheiro da podridão infestou o local. Ele quase vomitou naquele corpo decomposto. Abriu a bolsa e tirou de lá um pequeno pacotinho, se agachou e colocou, com dificuldades, dentro da boca daquele corpo. Depois pegou um pedaço de madeira de limoeiro e cravou no peito e, por fim, regou-a com sangue de gato preto.
Disse algumas palavras em voz baixa e saiu de lá. Sentou em uma lapide e lá ficou, aguardando o resultado de sua invocação, até adormecer.
Ele não soube dizer quanto tempo passou até que um barulho o acordou. Ao abrir os olhos viu dois braços agarrando a terra. Uma pessoa estava tentando sair daquele buraco que ele havia feito. Seu coração pulou de medo, depois de alegria.
Correu até lá e ajudou a pessoa a sair. Afastou-se e ficou olhando. A pessoa abriu os olhos e olhou em volta, atordoada, sem saber o que estava acontecendo. Seu corpo, que outrora estava quase todo consumido pelas larvas, havia voltado a ficar como antes de sua morte.
- Mamãe? É você? – disse o homem chorando.
Ela olhou para ele, seguindo o som de sua voz, mas não expressou felicidade ou tristeza. O homem correu até a direção dela, abraçando-a e dizendo o quanto a amava e sentia saudades. Sua alegria por ter conseguido ter sua mãe de volta, mesmo por ser através de magia negra, era imensa.
Uma alegria que não durou muito tempo, pois logo sua mãe lhe arrancou metade do pescoço com a boca e usou o resto da noite para consumir a carne daquele que um dia foi o seu filho.
Àquele homem não sabia que os espíritos não retornam, e que seus corpos reanimados são usados pelo inferno.
Feliz dia das Mães.
Renan Medeiros
Muito boa a história, Renan.
ResponderExcluirme deu até medo aqui!!
Um feliz dia das mães bem tenso! Mas muito criativo, haha!
ResponderExcluirConcordo com o Thyago: dá medo. E isso é ótimo
;)
Sempre imaginei que essa seria a reação de uma mãe que não ganhou aquela frost free no segundo domingo de maio...
ResponderExcluirrs
Ótima história!