terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Um Conto de Réveillon

Naquela noite Alberto Allein havia sido liberado mais cedo de seu trabalho. Devido a sua grande eficiência, seu patrão acabava lhe dando varias regalias, e uma delas era essa. Em plena véspera de ano novo, Allein chegou bem mais cedo em seu apartamento, muito antes do que gostaria.

A questão é que o jovem rapaz não gostava de nenhuma comemoração, não por causa de crenças ou gostos particulares, mas por não ter com quem comemorar. Em datas festivas a sua solidão acabava tomando formas grotescas, de tal jeito que ele sempre se desesperava por não conseguir conter a sua fúria. Ele ainda se lembra do natal de 2011, quando tentou se envenenar. Por sorte a sua pouca coragem o fez ligar para a urgência, que conseguiu o socorrer a tempo. Desde então, por mais que sua vontade de por fim na vida seja grande, ele decidiu nunca mais tentar o suicídio.

Seus planos eram os mesmos de todos os fins de ano em que passara depois que seu pai morreu. Comprar várias latinhas de cerveja, ligar a tv e ouvir os fogos de artifícios e as felicidades dos vizinhos em suas comemorações. Pensava em sair, procurar um bar ou algo assim, mas sabia que encontraria pessoas tão vazias e solitárias como ele. E seria bem mais deprimente.

Depois de várias latinhas, começou a devanear e a pensar nos motivos que o levava a não ter amigos, e a não receber um convite para passar tais datas comemorativas. O Natal ele até entendia, por se tratar de algo familiar. Mas o ano novo... Por que as pessoas o desprezam tanto? Ele sabia que o seu chefe só o tratava bem por que ele é ótimo no que faz. Se não, já teria o demitido.

Meia noite, os fogos explodiam em todo canto que se podia ouvir. Na tv passava um filme antigo de comedia, onde as cores preto e branco faziam jus ao humor pretendido. Olhou para a mão e tentou se lembrar qual o número da latinha que tinha, mas não conseguiu se lembrar. Foi até a janela, suspirando triste, e viu os flashs dos fogos estourando no céu estrelado.

Voltou para a sua poltrona, terminou a cerveja e acabou cochilando.

***

Uma pancada, em algum lugar, o acordou. Olhou em volta e estava tudo normal. A latinha ainda estava firme na mão, balançou e viu que ainda tinha um gole. Bebeu. Estava quente, mas não se importou. Olhou para a televisão e viu que o canal que assistia estava fora do ar, transmitindo somente aqueles chuviscos preto e branco, que dançavam na tela da tv. Levantou e foi até a geladeira, pegou mais uma. As musicas ainda estavam altas nos apartamentos, as risadas mais altas ainda.

- Alberto?

Alguém o chamou. Olhou ao redor, andou pela sala, vistoriou o quarto, mas nada viu. Olhou para a latinha em suas mãos e gargalhou. Algo engraçado, enfim. Uma historia que poderia contar para alguém no futuro, se aparecesse alguém que ele pudesse contar.

- ALBERTO, AQUI!

Deixou a latinha cair com o susto. A adrenalina fez expurgar todo o álcool que tinha no corpo. Pegou uma vassoura que estava perto e começou a andar lentamente, olhando em cada canto que poderia estar escondendo alguém.

- Não irei lhe machucar, Alberto. – Era voz de mulher.

- Quem está ai?

- Sou eu. Meu nome é Anna.

- Onde você está?

- Na televisão.

Ele quase riu, mas o medo travou seus lábios. Ele olhou pra tv e, acreditou, ver aqueles chuviscos ganhando a forma de um rosto humano. Não dava pra acreditar.

- Como você entrou ai?

- Isso não importa. O que importa é que vim te ver. Vim te fazer companhia.

- Como assim?

- Você pediu tanto pra ter uma pessoa, que alguém ouviu suas preces.

Ele tentou puxou a tomada, mas a televisão não desligou.

- Quem?

- Eu não sei. Eu só sei que quero sair daqui e ser sua.

Tudo aquilo era insano. Ele olhou em volta, tentando ver se havia algo diferente pois só podia ser um sonho. Se beliscou e sentiu a dor. Não, não estava sonhando.

- E por que não sai? – perguntou Allein.

- Estou presa aqui. Mas você pode entrar aqui comigo. – respondeu a mulher da televisão.

- Só pode ser louca.

- Tente colocar a mão na tela.

Ele o fez, e seus dedos entraram na televisão. Mas ele retirou rapidamente, assustando. Era como se seus dedos tivessem entrado numa gelatina.

- Viu? Você pode vim aqui comigo, passar o primeiro dia do ano, e depois sair. E voltar sempre que quiser.

- Como você é?

Aparece uma imagem colorida de uma linda morena, cabelos ondulados e olhos castanhos. Parecia perfeita demais para ser natural. Mas nada disso importou para Allein, que acabou ficando fascinado e hipnotizado por aquela morena. A imagem sumiu, e novamente voltou a aparecer aquele rosto deformado feito de chuviscos preto e branco.

- Você vem ou não?

- Estou indo.

Alberto Allein começou a entrar na televisão, aos poucos. Foi sumindo dentro daquele tubo que mal cabia uma perna. Após seu ultimo pé entrar dentro da tv, ela desligou e a sala de estar ficou completamente escura. Alguns poucos fogos ainda estouravam ao longe, as musicas ainda tocavam nos apartamentos, e uma sala de estar continuava em sua eterna solidão. Uma solidão que só foi quebrada cinco dias depois, quando o zelador e um grupo de vizinhos entraram no apartamento e acharam o corpo do homem sentado na poltrona, com sua barriga aberta, um rastro de sangue até a televisão e suas entranhas inexplicavelmente dentro do tubo da velha tv.

Fim!!!

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