Como de costume, em um dia qualquer em minha vida, resolvi sentar em uma das cadeiras de plástico de uma barraquinha de café que há em frente ao hospital municipal da cidade, vulgo “matadouro” – apelido dado com carinho por pessoas não tão carinhosas assim, que, no geral, desconhecem a verdadeira realidade que os funcionários de lá vivem. – para degustar de um café decente, e assim começar o batente.
Um fulano (aqueles que nossa consciência conhece o nome, mas nosso senso de amizade desconhece a existência) sentou ao meu lado para, também, tomar seu café e resolveu puxar assunto com esta pessoa que vos fala.
- Rapaz, é cada uma que nos acontece. – disse, cutucando meu braço.
- Que houve, rapaz? – fingi curiosidade.
- Às vezes é um saco atender esse pessoal do interior. O povo não têm nenhum conhecimento. Deus me livre. Muita ignorância.
- A realidade deles é diferente da nossa.
- Papo furado. Sabe, blá blá blá...
Enquanto ele falava, lembrei-me de uma viagem que realizei até a capital, naqueles navios lotados, sendo esmagados por redes e malas, e contemplei, ao longe, uma mulher na beira do rio lavando a roupa de sua família. Provavelmente, depois de lavar todo o cesto de roupas sujas, ela iria limpar a casa, fazer comida, cuidar das crianças. Tudo, enquanto aguardava o marido e filhos virem do mato, com caças, ou depois de trabalharem na lavoura.
Que chances aquela mulher tem de adquirir conhecimento naquela realidade, longe de escolas, livros, etc? Lembro-me de um artigo, de Albert Einstein, onde ele diz que não existem chances de alguém conseguir se desenvolver intelectualmente se ele não tiver liberdade para isso. Se não houver tempo e energia para poder estudar, refletir, questionar, não há desenvolvimento.
Aquela mulher passava o dia inteiro em seu trabalho árduo, quando chegava à noite ela só queria dormir e aproveitar os braços de seu esposo. Ela não era livre, pois o trabalho e o cuidado com a família a encarcerava na rotina, sem chances de se desenvolver. Ela não tinha oportunidades, pois o Estado não chegava até sua região. Não tinha energia, pois todos aqueles serviços domésticos eram desgastantes.
Olho para o meu café, que havia chegado: pão, queijo, ovo e presunto, banhados em margarina. Iria ingerir toda aquela gordura saturada, sódio e carboidratos, contaminando-me, como alguns dizem. Olho para o fulano e percebo que há coisas piores a serem consumidas. Que não são os alimentos que destroem o interior dos homens, mas a desumanização, a verdadeira ignorância. E aquele fulano estava farto de todo aquele veneno.
Levantei e sentei em outro lugar. O fulano que vá pra puta que pariu.