O que será que se passa na mente e no coração de um homem
quando este vê toda sua vida ser destruída? Como se sente um homem que vê que
tudo o que planejou para o futuro foi picotado e jogando no vento? O que pensa
um homem que percebe que a sua felicidade foi esmigalhada e jogada na lama para
os porcos comerem? O que pensa?
Eu
não sei.
Mas Adriel sabe. Ele estava sendo destruído por essa dor.
Sua mente, seu coração e seu corpo estavam sendo bombardeados por todas essas
sensações, pensamentos e confusões que uma traição poderia causar em um homem
que amava a sua mulher até a última célula do corpo.
Sim, havia sido traído. Sua esposa, mulher que tanto
confiou a vida, os seus segredos, os seus medos e futuro havia lhe traído com o
seu melhor amigo. Uma traição clássica e dolorosa. Uma dupla traição dos dois
sujeitos que tanto amou e tinha carinho. Duas facadas cravadas em sua costa
jorrando o sangue da dor e do sofrimento. Um ferimento que irá drenar sua
felicidade para sempre.
A morte lhe beijava a alma. Ele queria ver sangue. O
sangue que só o anjo da morte poderia lhe proporcionar. Quando um homem sofre
uma dor que vai além de suas forças a insanidade abraça-lhe a razão. Se matar
ou matar aquela mulher que causou essa dor dilacerante? Se jogar da janela do
trigésimo andar, onde estava o seu apartamento, ou matar aquela mulher que
dormia docilmente ao seu lado?
Sim, ela estava lá.
Ele a observava. Estava dormindo de costa para ele. Seus
cabelos cor de mel estavam enrolados e o lençol que dividiam lhe cobria as
pernas. Sua respiração era calma, não imaginava que o homem que dormia ao seu lado,
todas as noites, já sabia a verdade. Seu sonho pacífico não lhe alertava sobre
o perigo que poderia estar correndo naquele exato momento.
Sentado na cama ele a observava furioso, atormentado pela
imagem da traição, confuso sobre sua vida dali em diante. Em suas mãos algumas
fotos. Fotos que lhe tiravam a paz. Fotos enviadas a ele pelo investigador que
contratou para segui-la. Fotos que provam a traição dela e de seu melhor amigo.
Fotos que lhe tiravam o sono e lhe enchia de angustia. Fotos, muitas fotos.
Guardou-as dentro
do envelope, pegou uma caneta e um papel que estava sobre o criado-mudo e escreveu
um bilhete. Deixou-o em cima do envelope sobre a mesa que fica ao lado de sua
esposa. Com cuidado e silencio, pegou uma mala e arrumou as suas roupas.
Decidiu ir embora. Decidiu ali não mais ficar. Não podia ter seu sangue ou o
sangue dela em suas mãos. O abraço da insanidade não foi tão reconfortante. O
beijo da morte não foi tão saboroso. Ele resolveu viver e seguir a sua vida.
Estacionou o seu carro na estrada e lá ficou por algum
tempo. Não sabia ao certo onde queria ir. Ele simplesmente só queria ir. Olhou
para o caminho adiante, a estrada estava escura em sem a intenção de ter alguém
vivo pelo caminho. Era só ele e seus pensamentos. Pensamentos que o levavam a
lembrar das fotos de sua esposa e de seu amigo lhe traindo. Pensamentos que o
faziam lembrar-se dela dormindo enquanto arrumava a mala. Pensamentos que o
faziam lembrar-se do condomínio em que viveu por anos refletidos no retrovisor
do carro enquanto deixava a sua vida para trás.
Agora
estava só.
Após alguns minutos conseguiu organizar seus pensamentos.
Enxugou as lagrimas e lembrou-se de seu pai dizendo que homem nunca deve
chorar, principalmente por causa de mulher. “Mulher há aos montes no mundo”
dizia. Ele era tão criança quando seu pai disse isso, mas ainda lembrava
vivamente. Principalmente quando viu seu pai, meses depois, chorando com uma
garrafa de cerveja na mão sentado no sofá. Chorando por sua esposa, mãe de
Adriel, ter fugido com o vizinho.
Realmente homens nunca devem choram por causa de
mulheres.
Essa lembrança fez Adriel rir um pouco e ajudou-o a
pensar melhor. Lembrou que existia uma pequena cidade, não muito distante dali,
onde poderia recomeçar a sua vida. Como ele era colunista de um site poderia
morar onde quisesse. Tentou se lembrar do nome da cidade quando, de repente,
caiu na gargalhada. Sim, havia se lembrado do nome.
A cidade se chamava Pau Doce.
Ligou o carro e rumou até a cidade. Ao chegar lá
encontrou um hotel onde poderia passar a noite, mas, claro, não queria viver
ali pra sempre, logo teria que sair pra procurar uma casa ou apartamento para alugar.
O dia estava amanhecendo tomou um comprimido pra dormir e, meia hora depois,
estava em um sono profundo. Ao acordar teria um dia cheio.
A cama estava mais leve e menos cheia do que de costume.
Ainda sonolenta ela passa a mão no lado onde Adriel dormia, mas ele não estava
lá. Olhou para o seu relógio de pulso, ainda eram oito e meia. Seu marido só
levantava a partir das nove. O que haveria acontecido?
Levantou-se e foi tomar banho. Algum tempo depois retornou,
enxugando os cabelos, seu corpo ainda está molhado deixando pequenos respingos
de água pelo quarto. Seu celular vibra e ela vai olha-lo. É uma mensagem de
Roberto, seu amante.
“Quero lhe ver hoje. Te amo”.
Quando
ia responder vê que na mesa onde estava o celular há um bilhete escrito Michelle, e embaixo dele um envelope.
Ela pega o bilhete e o abre. Seus olhos vão passando pelas letras que foram
escritas direcionadas a ela. Seu olhar demonstra a confusão, a tristeza e o
susto pela mensagem que foi escrita naquele pequeno pedaço de papel. Uma
mensagem escrita a caneta, tristeza e ódio.
Lembro-me do dia em que nos
conhecemos. O amor por ti surgiu no primeiro momento em que lhe vi. Era uma
garçonete incrivelmente linda. Ainda é linda, até mais do que aquele dia.
Lembro-me das juras de amor que me fizeste. Lembro-me do nosso casamento. Se
hoje o seu trabalho como atriz é reconhecido grande parte foi graças a mim.
Para você eu dei amor, dei carinho, dei conforto, dei o lar que está agora, dei
o sucesso. Dei a minha vida. E o que ganho em troca? Pequenas gotas de amor
durante o dia e uma traição a noite. Você me traiu com o meu melhor amigo, o
homem que cresci junto, que considero como irmão. Por que fizeste isso? A minha
vontade era de lhe matar. Mas não o farei. Nem me matarei, pois você não é
digna de ver o fim da minha existência. Estou indo embora, para sempre.
Aproveite tudo. Aproveite tudo isso que eu deixei pra você. Um dia perceberás o
que perdeu. Adeus Michelle. Até nunca mais.
Não era mais a água do banho que brilhava em seu corpo
nu, mas a água salgada de suas lagrimas que escorriam torrencialmente a cada
palavra lida. Os soluços ecoavam na casa. Ela estava sozinha, sem o homem que a
ela deu tudo. Ela o amava. Amava muito.
Mesmo com todo esse amor que sentia por ele não entendia
o porquê o traiu. Não conseguia compreender de onde veio essa necessidade de
ter um caso, e ainda por cima com o melhor amigo dele. Que diabos estava
passando na cabeça dela quando resolveu aceitar as propostas de Roberto? Ela
não sabia.
Estava se afundando em seus pensamentos e lamentações,
seu corpo acompanhava se afundando no chão, Aos poucos ia sentando com a costa
na parede, chorando, lendo, relendo, dissecando cada palavra de tristeza e ódio
que motivou Adriel a escrever aquele bilhete. Sua vida não fazia mais sentido
com a sua ausência.
Lembrou-se do envelope que estava em cima da mesa e,
engatinhando, foi até lá busca-lo. Ao abrir soube como foi que seu marido
descobriu tudo. Varias fotos dela com o seu amante, se acariciando, se
beijando, transando no carro ao lado de um rio. Dias de fuga da realidade
registrados pelas câmeras de um desconhecido. Dias de paixão proibido mostrados
de forma crua para o seu marido. Dias de insanidade cravados nos peitos de
todos para sempre.
Deitou no chão com as fotos espalhadas ao seu redor, em
cima de si, em cima da cama. Era a representação fiel da confusão que estava em
sua mente, em sua alma e em seu coração. Fotos de um adultério espalhadas pelo
quarto, o mesmo quarto que por tantas noites amou Adriel. Fotos de um crime. Um
crime contra uma vida.
Demorou até os seus olhos se adaptarem a luminosidade. O
corpo estava cansado, exausto, queria voltar a dormir, mas tinha muito para
fazer. Com dificuldades olhou para o relógio de parede em cima da TV a sua
frente, eram três da tarde. Se assustou pelo fato de ter dormindo tanto. O
remédio que tomou realmente o abateu.
Olhou para o celular e viu várias chamadas perdidas de
sua esposa. Havia esquecido de que ela faria isso, mas não queria mudar de
chip, iria prejudica-lo. Bloqueou o número e foi tomar banho para poder
realmente acordar.
O
ralo do chuveiro ia levando as suas dores e angustias. Era relaxante ficar
recebendo aquela água quente no corpo. A sensação era de que o mundo havia
parado só pra ele poder respirar um pouco. Nada mais existia além daquela sensação
boa de estar embaixo de uma ducha quente.
Saiu do banho enrolado na toalha, já enxuto, mas com o
cabelo ainda encharcado. Pela primeira vez foi à janela daquele quarto de hotel
ver a cidade que o acolhia naquela nova fase de sua vida. A rua estava pouco
movimentada e a floresta em volta era um bálsamo para a visão. Adriel sempre
gostou da natureza, era como se ele retornasse as suas origens. Viveu a sua
infância no interior do Pará, numa vila ao lado do rio Jacaré Grande.
Olhou por mais um tempo a paisagem e resolveu ir se
arrumar. Tinha que achar um apartamento ou uma casa para alugar. Não podia
viver para sempre naquele quarto de hotel. Pegou qualquer roupa da mala e se
vestiu. Saiu e foi logo falar com o recepcionista.
- Bom dia! – disse ele ao se
aproximar da recepção.
- Boa tarde senhor. –
respondeu o homem gordo, de cabelo grisalho, que trabalhava lá.
- É verdade, desculpa. Acabei
de acordar.
- Tudo bem.
- Gostaria de lhe fazer uma
pergunta. Você sabe se existe alguma casa ou apartamento para alugar nesta
cidade?
O recepcionista, que estava digitando algo no computador,
parou no instante em que ouviu a pergunta. O sangue de seu rosto sumiu e por um
instante Adriel achou que suas mãos estavam tremendo. Meio gaguejando
respondeu:
- Não senhor. Não...não... não
existe nenhuma... nenhuma casa ou apartamento nesta ci... cidade disponível.
Nem a... adianta sair para procurar.
Adriel olhou para ele confuso pelo nervosismo com a
pergunta. Uma pergunta tão simples não poderia ter causado tanto alvoroço a um
homem que até pouco tempo estava brincando com ele pelo fato de ter dado “bom
dia”. Mas logo percebeu que ele poderia ter ficado preocupado na possibilidade
de perder um cliente. Então logo mudou a conversa por que ele não ajudaria.
- Onde posso comprar alguma
coisa pra comer a essa hora?
- Bom. Te... temos uma
lanchonete a... a... quatro quadras daqui. – respondeu, ainda nervoso.
- Obrigado. – respondeu
Adriel, logo saindo em direção a lanchonete.
O caminho até a lanchonete foi tranquilo. Poucas pessoas
estavam na rua. E essas poucas que encontrou sorriam para ele gentilmente. Logo
avistou a lanchonete, um estabelecimento simples, sem letreiro, mas se percebia
pelas mesas na calçada que aquele era o lugar. Havia somente um casal sentado
em uma mesa, bebendo uma cerveja e conversando sobre algo.
Ao entrar viu uma velha senhora, com um avental sujo, limpando
o balcão e outro senhor sentando em uma mesa, afastado, observando atentamente
o jornal que passava na TV fixada na parede. O ambiente estava calmo, e o cheiro de fritura
invadia a narina de Adriel.
- Boa tarde senhora. – disse
Adriel se dirigindo à atendente.
- Boa tarde meu jovem. O que
deseja? – disse a mulher, levantando levemente os olhos e o observando por cima
dos óculos.
- Essas coxinhas são de
hoje?
- São sim.
- Me veja duas de carne e um
suco de maracujá. Vocês têm?
- Temos sim. Pode se
acomodar em uma mesa que já lhe trago.
- Obrigado. – disse,
sentando-se à mesa mais próxima.
O jornal falava sobre uma morte misteriosa que havia
acontecido a uma cidade próxima dali. Uma mulher encontrou o corpo de sua
patroa, na casa onde trabalhava, todo dilacerado em cima da cama. Ninguém soube
explicar e dizer quem havia feito isso com aquela mulher.
- Que idiotas. – disse o
velho, alto o suficiente para Adriel entender o que havia falado.
Foi então que ele reparou naquele homem. Careca, com
roupas impecáveis, transbordava ar de superioridade. Parecia ser um caipira que
achou uma fortuna e, de repente, se viu rico. Um homem que se percebia que
pisaria em qualquer um para conseguir o que desejava. Alguém que Adriel,
geralmente, não suportava.
- Aqui está senhor. – disse
a garçonete colocando o pedido dele na mesa.
- Obrigado. – respondeu
Adriel, não tirando os olhos daquele homem.
Enquanto comia as lembranças vieram à tona novamente. A
comida começou a ficar presa na garganta, as náuseas embrulharam o seu
estomago, a raiva dominou o seu coração. Ainda se perguntava o porquê ela fez o
que tinha feito. Por que ela jogou fora toda a vida que tiveram juntos. Não
conseguia entender o motivo.
Expulsou esses pensamentos da cabeça e resolveu fazer
aquilo que havia programado para fazer naquele dia. Foi até o balcão falar com
a senhora que havia lhe atendido para ver se ela não possuía alguma informação
que venha a lhe ajudar.
- Quanto foi? – perguntou a
ela vendo-a não demonstrar interesse em levantar a cabeça para olha-lo.
- Cinco reais, senhor.
Tirou a carteira do bolso e retirou o dinheiro,
entregando-a. Olhou-a por mais alguns segundos, tentando entender a indiferença
dela com a presença dele. Ela, diferente dos que já tinha visto na rua, não
tinha um pingo de educação. Mas, já que estava ali, mesmo receoso com a
resposta, resolveu perguntar.
- A senhora sabe de alguma
casa ou apartamento que esteja disponível para ser alugada por aqui?
O silencio que se seguiu foi estranho para Adriel. Só
conseguia ouvir a televisão noticiando uma partida de futebol e o cara que ora
ou outra resmungava para a TV. Ela levantou o olhar para Adriel, demonstrava um
ar de preocupação e desdém, olhou para o velho e, percebendo que estava
entretido com o jornal, perguntou.
- Por que o interesse jovem?
- Bom, estou querendo morar
aqui e preciso de uma casa para isso.
- Não temos nenhuma casa
disponível nessa cidade. – disse, olhando novamente para o senhor que estava na
mesa.
- A senhora tem certeza? –
disse Adriel olhando também para o homem, curioso em saber o porquê ela olhava
com temor para ele.
- Absolutamente. Aconselho a
procurar outra cidade. – disse quase sussurrando e virando-se para pegar uma
xicara de café.
Adriel ficou lá, novamente sem entender, vendo a senhora
com as mãos tremulas segurar a xícara e a cafeteira tentando colocar o café
para poder tomar e se acalmar. Por que essa pergunta deixava as pessoas
nervosas nessa cidade? Será que eles não querem um forasteiro por perto? Ficou
lá a observando e pensando o que estava acontecendo. Um tapinha nas costas
rompe seu raciocínio.
- Está querendo alugar uma
casa? – disse a voz da pessoa cuja mão lhe tapeou.
Era o homem que estava assistindo o Jornal.
- Eu tenho uma casa para lhe
alugar. – disse com um sorriso largo.
Adriel se assustou quando ouviu o barulho de vidro
quebrando. Ao tirar sua visão daquele homem e seguir na direção do som percebeu
que foi a mulher que havia derrubado a xícara que segurava. Ela tinha se
assustado com alguma coisa.
- A senhora está bem? –
perguntou Adriel preocupado.
- Acredito que tenha sido só
uma leve vertigem. Não é Dona Dolores? – disse o homem, sorridente.
- Sim... sim. Minha pressão
deve ter caido de repente.
Adriel ficou observando aqueles dois sujeitos se olharem.
Ele sorridente, ela assustada. Se olhavam fixamente, como se estivessem
conversando mentalmente. Uma conversa onde ela era subjugada. O olhos dela se
voltaram para Adriel, um olhar de piedade, um olhar de pena, um olhar que pedia
para ele ir o mais longe possível dali. Mas ele não entendia as linguagens dos
olhares.
- Como eu estava dizendo,
tenho uma casa que está disponível. – disse o homem voltando-se para Adriel.
- Eu gostaria de vê a casa.
– respondeu, ainda olhando para os olhos daquela senhora.
- Então vamos lá agora. O
levarei em meu carro.
E assim saíram da lanchonete. O homem com os braços na
costa do Adriel, lhe acolhendo docilmente, enquanto ele olhava para trás, vendo
aquela senhora, assustada, com medo e com o olhar cheio de piedade para com
ele. O que estava acontecendo ali que Adriel ainda não havia entendido?
Dez minutos depois chegaram a casa. Logo Adriel percebeu
que não havia vizinhos. A casa ficava no fim de uma rua, solitária, sem vida ao
seu redor. Era de dois andares, com pátio e varanda, pintada de branco. Mas uma
coisa ele achou muito curioso.
- Não há janelas? –
perguntou Adriel assustado.
- Não. – respondeu rindo-
Quando eu morava aqui eu era meio que antissocial. Fiz essa casa só com a porta
para que todos soubessem que não queria visitas. Mas não se preocupe. Instalei
centrais por todos os cômodos.
- Isso realmente é estranho.
- É a única casa desta
cidade para ser alugada. Nem a venda você encontrará por aqui.
- Está mobiliada?
- Está sim. Pode usar tudo o
que está lá dentro.
- Quando é o aluguel?
- Seiscentos reais. Água e
luz não inclusas.
Ele ficou observando aquela casa excêntrica por alguns
segundos. Queria poder dizer ao homem que daria a resposta depois. Queria poder
buscar outras opções. Mas aquele homem lhe mostrava segurança e algo o dizia
que ele não acharia outro lugar naquela cidade.
- Eu fico. – respondeu.
- Muito bem. Venha amanhã às
oito horas com as suas coisas. Estarei aqui com o contrato de três meses e as
chaves da casa.
E com um aperto de mão o negocio foi fechado naquele dia.
- Não acredito que ele
descobriu. Não acredito que ele fez isso. – disse Roberto olhando para os olhos
lacrimejados de sua amante.
Eles haviam combinado de almoçar, não havia entendido a
voz triste e chorosa de Michelle ao telefone, muito menos o motivo misterioso e
apressado de se encontrar com ele. Nunca haviam marcado para se ver a luz do
dia em um lugar movimentado onde qualquer um poderia os reconhecer. Agora
estava entendendo. Adriel havia descoberto o caso deles. Ele olhava para ela,
parecia estar em um poço de tristeza onde nunca poderia ser resgatada.
E
ela realmente estava.
- Ele deixou nosso caminho
livre. Poderemos nos amar como sempre quisemos. Deixe-me faze-la feliz. – disse
Roberto colocando a sua mão sobre a dela.
Michelle olhou para a mão que a acariciava. Uma mão que
até ontem só lhe dava prazer, carinho e tesão. Agora ela só consegue sentir
náuseas. Só conseguia sentir horror por tudo que havia feito. Como ela pôde
trair o homem a qual amava de verdade?
- Eu não lhe amo. – disse ela,
tirando a sua mão do alcance de Roberto.
- Como não? Na ultima noite
que nos encontramos você me disse que desejava muito ter me conhecido antes de
Adriel.
Ah, a ultima noite! Noite de prazer e luxuria. Noite em
que foram colhidos pelo rio e um luar incandescente. Noite onde tiveram o ápice
de prazer. Noite onde sentiu novamente o ar de adolescia sobre os bancos
daquele carro. Noite que mudaria a sua vida. Em algum lugar estaria alguém a
fotografar todo aquele prazer sexual do momento.
Sim, ela só sentia tesão por ele. Nada mais.
- Eu não te amo. Nunca te
amei. Só dizia o que queria ouvir. Não queria ficar sem a sua habilidade na
cama e esse pau gostoso que você tem. Mas a minha gula me fez perder o homem
que realmente valia a pena na minha vida.
- Não acredito nisso.
Michelle, eu te amo e...
- Não dá mais. Desculpa.
Adeus. – interrompeu Michelle, se levantando e saindo apressadamente do
restaurante.
Ela viu, por seu olhar periférico, que ele a vinha
seguindo, mas teve que parar para poder pagar a conta do almoço, dando uma
vantagem a ela. Quando ele saiu do restaurante só teve tempo de vê-la partir
dentro de um taxi, nem se deu ao luxo de olhar para ele novamente. Mas Roberto
não podia deixar essa historia acabar assim. Ele tinha que procura-la de novo.
Ele a amava de verdade e agora tinha chance de poder conquista-la.
Pontualmente Adriel estava em frente à casa onde moraria
esperando aquele sujeito que havia conseguido persuadi-lo a aluga-la. Não
estava muito confortável com a ideia de alugar aquela residência estranha. Mas
havia conversado com algumas pessoas na noite anterior e descobriu que,
realmente, era a única casa que tinha para ser alugada. Mas era estranho o fato
de todos ficarem nervosos com a pergunta e o orientarem a se mudar para outra
cidade.
O barulho de um carro o faz voltar à realidade. Era o
carro do Júlio, dono da residência, que estava chegando em seu veiculo de luxo
por aquela rua sem vida. Estacionou bem em frente à Adriel e saiu, sempre com
roupas impecáveis. Cumprimentou-o com um aperto de mão e o convidou para entrar
na futura casa em que iria morar.
Júlio abriu a porta e entraram. A sala de estar era muito
bem mobiliada. Dois sofás convidativos, aparentemente bem confortáveis, uma
poltrona, uma televisão que ocupava quase toda a parede, uma mesa de centro de
época, um lustre e alguns enfeites que davam um ar feminino ao local.
Foram até a cozinha, que também não deixava a desejar.
Sentaram-se a mesa e Júlio lhe passou o contrato que logo foi lido. Havia concordado
com todas as clausulas, nada que pudesse prejudica-lo, então assinou. Júlio deu
um largo sorriso, pegou a sua copia e cumprimentou Adriel.
- É muito bom fazer negócios
com você. – disse, entregando-lhe as chaves. – pegue as chaves e qualquer coisa
o meu número está em um caderno ao lado do telefone, na sala.
- Obrigado. – respondeu
Adriel, sem querer muito se alongar na conversa.
E assim Júlio saiu. Pegou seu carro e partiu para um lugar
desconhecido para Adriel. Este pegou sua mala e subiu a escada. Foi até os
quartos, viu todos os cinco, e resolveu ficar no terceiro por ser uma suíte.
Arrumou, devagar, as suas roupas no guarda-roupa.
Ainda não havia assimilado esta nova realidade. Tudo
ainda parecia um sonho e que, a qualquer momento, ele iria acordar desde
pesadelo. Mas não era. Tudo o que estava vivendo, todo o sofrimento, toda essa
mudança, era real. E ele tinha que se acostumar com tudo. Tinha que assimilar a
sua nova condição. Mas era difícil.
Tão difícil que ele desmoronou.
Se jogou ao pé do guarda-roupa, usando-o como apoio,
chorando, desconsolado, destruído. A ficha estava caindo. Ele havia sido
traído, saído de casa e agora iria seguir uma vida sozinho, longe da mulher que
amava. Como ele iria conseguir? Como ele suportaria somente a sua presença?
Como ele aguentaria conviver com todas essas sensações e pensamentos negativos?
Como sobreviver sem pegar uma faca e cortar os pulsos?
Os pensamentos o consumiam e o chão encharcava-se com
suas lagrimas quando um ruído o despertou de sua insanidade temporária. Um
chiado que vinha de um lugar ao longe, mas dentro da casa. Parecia o chiado de
uma TV que havia sido ligado em um canal sem transmissão. Passou a manga de sua
camisa nos olhos, levantou-se e foi até a sala.
Ao descer as escadas e olhar o fim do corredor, caminho
que deveria percorrer até a sala, viu que as luzes estavam apagadas. Mas podia
se notar uma claridade vinda de lá. E com o chiado que estava mais audível logo
notou que a TV estava ligada. Mas quem havia ligado?
Olhou ao redor e viu que não havia nada que pudesse ser
usado como arma para, porventura, ter que usar contra algum invasor. Mesmo com as mãos vazias e sem o mínimo
conhecimento de defesa pessoal, ele resolve continuar caminhando. Seus passos
são leves, calmos, mas por dentro seu coração saltava desesperadamente de medo
do que podia encontrar no caminho. Seus ouvidos só conseguiam escutar a sua
respiração e o chiado da TV. O silencio além desses sons era torturante.
Ele para de caminhar e encosta-se à parede atrás de seu
corpo. Escondia-se de algo que não existia naquele corredor. Seu medo era a
entrada para a cozinha que estava no caminho. A sensação de ter alguém lá,
esperando ele passar para pegá-lo, estava lhe dominando.
Aos poucos foi criando coragem e colocando parte de seu
rosto na entrada. Seu olho esquerdo viajou por toda a cozinha escura. Cada
canto do que podia ver, com dificuldades, era analisado. Os ouvidos, atentos,
tentando anular o barulho de seu coração, de sua respiração e da TV, tentava
captar algum som estranho que pudesse estar vindo daquele lugar. Mas nada
ouvira. Mesmo assim Adriel ainda não estava seguro de que não haveria ninguém
lá.
Ele foi andando lentamente, com os olhos grudados para a
escuridão da cozinha, seus braços levantados, procurando estar preparado para
qualquer ataque que poderia surgir de lá. Mas a cada passo dado ia lhe dando a
certeza que de lá nada viria. E logo sua visão oscilou entre a escuridão da
cozinha e o pequeno caminho restante até a sala.
Novamente estava ele, encostado na parede, andando
lentamente, se esgueirando até chegar bem perto da entrada da sala. No fim do
corredor havia a porta, único lugar daquela casa de onde poderia entrar e sair
alguém. E para a surpresa de Adriel a porta ainda estava trancada, pelo lado de
dentro. Todas as cinco trincas ainda estavam intactas.
E isso o deixou assustado.
Novamente ele coloca parte de sua cabeça para poder
observar a sala. Ela estava lá, com todos os moveis no lugar. Intacta. A TV
estava clareando-a totalmente. Seu chiado mais forte agora, e a tela mostrava
aquela dança desnorteadas de milhares de pontos brancos e pretos. Não havia
sentido nisso. Como a TV ligaria sozinha?
Logo Adriel criou coragem e entrou na sala. Realmente não
havia sinal de ninguém no ambiente. Olhou em volta e viu o controle em cima da
mesa de centro. Pegou-a e desligou a TV, escurecendo a sala automaticamente.
- Merda, onde fica o
interruptor? – perguntou-se ao perceber a besteira que fez.
Enquanto ainda estava desnorteado pela escuridão obvia e
repentina que não esperava, sentiu um vento quente em sua nunca, arrepiando seu
corpo. Tinha a sensação de que havia alguém respirando bem atrás dele e que o
observava. O medo tomou conta, ele ficou lá, parado, esperando a ação do
invasor. Mas nada veio. Somente o ar quente em sua nuca.
Invadido por uma grande coragem Adriel se volta pra trás,
rapidamente, desferindo uma cotovelada, atingindo somente o ar. Seus olhos
caminham pela escuridão querendo ver alguma coisa, mas tudo em vão. Enfim
lembra do seu celular no bolso e o pega. Ao apertar em um botão ele acende e
consegue iluminar, mesmo que um pouco, a sua frente.
Com a pouca iluminação ele consegue ver o interruptor que
estava ao lado da entrada, encostado em um quadro. Mas ele, inicialmente, não
vai até lá ligar a luz. Ele fica paralisado com o quadro, não havia o notado
ainda quando tinha chegado. Na tela havia um homem com os braços amarrados em
um cavalo branco e as pernas em outro de cor preta. Ambos os animais andavam em
direções opostas. A força fazia o homem se arrebentar. Seu abdômen estava sendo
dilacerado. As tripas estiradas pelo chão e a poça de sangue nutrindo a grama.
Ao redor há um grupo de homens rindo, se divertindo com a cena.
- Santa inquisição. – disse
em voz alta, sem tirar os olhos do quadro.
Ficou lá, apreciando horrorizado aquele quadro, vendo
cada detalhe expresso naquela pintura. A feição de dor e horror do homem sendo
morto. Os cavalos que nem imaginavam o que estava fazendo. A felicidade do
público ao contemplar aquele homicídio. O sangue e as tripas enfeitando o chão.
Cada detalhe gravado na memoria de Adriel. Era como se estivesse sentindo a
terrível dor que aquele homem sentiu quando morto. Sua esposa e seu melhor
amigo, os dois cavalos que estraçalharam o seu coração e a sua alma.
Sim, ele entendia a dor que aquele homem expressava.
Percebeu que, por vários minutos, havia esquecido os
motivos que estava ali. Esqueceu completamente que poderia ter alguém naquela
casa. Mas Adriel não se preocupou mais. O tempo em que ficou observando o
quadro, atônito, estático, tinha dado tempo suficiente para alguém lhe atacar.
Mas como nada houve então não havia ninguém lá. Tudo fruto de sua imaginação.
Então a luz foi acessa.
A sala estava tão normal como quando chegou naquela casa.
Nada estava fora do lugar, nada havia sido furtado. Nada! Absolutamente nada de
estranho. Somente o fato de a TV ter sido ligada sozinha. Adriel achou que foi
algum defeito e esqueceu tudo o que havia passado. Olhou em volta e pensou na
escuridão que, mesmo sendo de manhã, invadia aquele lugar.
- Uma casa sem janelas. Só
eu mesmo pra me meter em uma dessas. – disse para si mesmo, enquanto subia
novamente para o quarto.
Michelle ainda não havia aceitado o fato de Adriel ter
saído de casa. Não conseguia assimilar que ela foi culpada de tudo. Ela que
traiu o seu marido com o melhor amigo dele. Ela era a vadia da historia. Tudo
isso lhe tirava o sono, lhe tirava o amor à vida. Enclausurou-se em seu
apartamento. Como não possuía nenhum compromisso além de sua casa faltava-lhe
animo para sair. A casa estava um caos, o quarto todo desarrumado, a cozinha
cheia de lixo e louça suja, a sala cheia de pacotes de comida industrializada.
Era a representação fiel da desorganização mental e insanidade que estava passando.
Ligações feitas pelo Roberto para o seu celular nunca
foram atendidas. E novamente o toque de seu telefone lhe tirava o silencio do
quarto. Mesmo colocando o travesseiro em cima da cabeça aquele toque ainda
encontrava espaço para entrar em seus ouvidos. Já era a quinta ligação dele naquele
dia e ainda eram oito da manhã.
O fato é que Michelle não queria falar com o cara que a
seduziu a cometer essa traição. Era o que ela tinha na cabeça, que havia sido
seduzida. Já havia bloqueado o numero dele, mas ele sempre trocava de chip.
Acabou que desistiu e só deixou o celular tocar. Pensou, algumas vezes, de
trocar o número de seu aparelho, mas o medo de que Adriel lhe ligasse a fez
desistir da ideia.
Já não suportava mais aquele toque lhe tirando os pensamentos
de autocondenação. Queria poder se torturar psicologicamente, se culpar por
tudo, sem a interferência de ninguém. Só queria a solidão, o silencio e a
companhia da nostalgia e das lembranças dos momentos felizes que viveu ao lado
de Adriel. Queria poder imaginar ele, entrando pela porta, lhe perdoando,
amando-a novamente, sem que nada a interferisse. Mas aquele telefone tocava
insistentemente.
Levantou da cama, enfurecida, e pegou o celular para
atender a ligação e dizer algumas coisas que estavam presos em sua garganta.
Quando viu o número que estava ligando para ela teve uma surpresa. Não era o
Roberto que estava lhe ligando. Não era aquele homem por qual ela saiu da cama
com raiva. Era Adriel.
E ela atendeu rapidamente.
- Adriel? – perguntou ela,
esperando a resposta com lagrimas nos olhos.
Um silencio do outro lado da linha. Podia se ouvir
somente uma respiração pesada. Ela ficou esperando a respostas, acreditando que
ele falaria com ela. Mas os segundos se passavam e nada de vim a voz de seu
amado. A sensação de que ele poderia estar arrependido por ter ligado lhe
invadiu. Com medo de que ele desligasse fez com que ela voltasse a falar.
- Adriel, por favor, não
desliga. Estou muito arrependida de tudo o que eu fiz. Eu fui uma vagabunda, eu
sei. Mas por favor, me dei uma nova chance. A gente precisa conversar
pessoalmente, precisamos nos ver. Por favor, e...
- Não é o Adriel que está
falando. – disse uma voz rouca interrompendo-a.
- Quem tá falando?
- Não importa.
- Onde está o meu marido?
- Acho que é ex, né? Está
aqui no quarto dele. Estou observando ele dormindo. Ele se mudou pra cá ontem,
ainda não o conheço bem.
- Posso falar com ele?
- Acho melhor não. Ele nem
sabe que eu estou aqui.
- Entrou no quarto dele sem
permissão?
- Ele nem sabe que moro com
ele.
- Como assim? Quem é você?
- Já disse. Não importa.
Escuta, acho melhor encontra-lo logo.
- Por quê?
- Quem sabe você nunca mais
terá a chance de falar com ele. Nem de vê-lo novamente.
- Como assim? Quem é você? O
que pretende fazer com ele? – disse, começando a demonstrar na voz que está
assustada.
- Tenho uma dica pra você.
Tem papel e caneta ai? Então anota: adri30@gmail.com, a5791b. Agora tenho que
ir, ele está acordando. – e desligou.
Michelle ainda ficou com o telefone no ouvido, não acreditando
no que havia acabado de acontecer. Tudo havia sido um sonho ou realmente havia
acontecido àquela estranha conversa? Que e-mail era aquele e por que lhe
forneceu a senha? Rapidamente correu para a mesa ao lado da cama e anotou o que
aquela voz havia lhe dito.
- Tenho que ir pra um lugar
onde eu possa entrar nesse e-mail. – disse para si mesma.
Tomou um banho rápido, se arrumou com a primeira roupa
que viu e saiu para descobrir o que estava acontecendo.
Adriel acordou com dificuldades, o dia anterior, após o
acontecido com a TV, havia sido cheio. Arrumou todas as suas coisas, se livrou
daquele quadro apavorante (e de outros que achou nos quartos), limpou toda a
casa se livrando da poeira e do cheio de mofo e, finalmente, ela poderia ser
digna para alguém morar. A central de ar ligada dava um clima agradável a casa,
mesmo não havendo janelas.
Ao colocar os pés no chão viu algo que achou curioso. Seu
celular estava jogado no chão, próximo a cama. Ficou imaginando como ele havia
parado lá. “Eu dormi com ele e o joguei de madrugada?” pensou ainda meio
sonolento. Não criou muito caso. Pegou-o do chão e foi até a cozinha.
Após um farto café da manhã ele foi até a sala, pegou o
seu notebook e começou a escrever o seu artigo para aquele dia. Tinha ficado
esses últimos dias afastado, devido aos últimos acontecimentos. Havia recebido
ligações de seus superiores reclamando e querendo explicações.
O tema daquele dia seria sobre traição. Adriel escrevia
sobre relacionamentos humanos. Era humilhante escrever como se deve conviver
com os outros e descobrir que na sua vida acabou sendo traído pela esposa. Não
parava de pensar onde havia errado.
Mas as experiências estavam ajudando a escrever o seu
novo artigo, sempre enfatizando a grande lama que alguém traído passa após
descobrir as puladas de cercas do cônjuge. Seu artigo ficou farto de
subjetivismo, conseguiu realçar com clareza os sentimentos que passam a pessoa
que foi vitima da enganação do parceiro ou parceira. Era o que ele estava
vivendo, sabia mais do que ninguém falar sobre aquilo. E escrever esse artigo
era a forma que ele havia encontrado de se aliviar.
Artigo terminado, agora só faltava publicar. Adriel levou
a seta até o ícone para publicar, mas algo fez ele parar. O barulho de vários
vidros quebrando, vindo da cozinha, fez ele se assustar e pular no sofá.
- Que porra foi isso?-
sussurrou.
Colocou o note de lado e foi andando, devagar, para a
cozinha. Ao chegar lá viu que a dispensa, fixada na parede, estava aberta e
todas as garrafas de vinho, azeitona, e outros alimentos estavam jogados no
chão, totalmente despedaçados. A única coisa que havia sobrevivido ao estranho
ataque foi uma garrafa de vinho tinto.
- Será que tem ratos aqui? –
disse, olhando toda a bagunça.
Pegou o lixeiro que fica na cozinha, se ajoelhou e
começou a catar os cacos de vidros e as comidas dispersas pelo chão. Tudo
estava indo bem quando sentiu um baque na cabeça que o deixou tonto. Apoiou a
mão no chão cortando-se com um vidro quebrado. Mas nem sentiu devido à dor na
cabeça e a tontura. Quando foi voltando ao normal percebeu que estava todo
encharcado de vinho. Aquela garrafa havia caído em sua cabeça.
Percebeu o corte da mão e um sangue escorrendo em sua
camisa, havia também cortado à cabeça. O estrago tinha piorado com aquelas
lesões. Pensou em ir ao hospital, mas lembrou de que tinha horror a agulhas.
Então foi até um armário e pegou um kit de primeiro socorros que havia deixado
lá no dia anterior.
Após fazer um curativo na mão e colocado um chumaço de
gases e uma atadura bem apertada na cabeça, resolveu voltar pra sala e enviar o
seu artigo. Deixaria aquela bagunça para arrumar mais tarde. Foi devagar,
estava um pouco tonto pela dor, pelos remédios que tomou e por ter pedido muito
sangue. Nem tinha ouvido ainda o barulho que vinha da sala.
Ao chegar lá uma surpresa. A TV estava ligada, o chiado
finalmente chegou aos seus ouvidos e os pontinhos brancos e pretos novamente
dançavam loucamente na sua frente.
- Que porra é essa? –
perguntou sem, obviamente, esperar uma resposta.
Pegou o controle que estava em cima da mesa de centro e
apertou o botão pra desligar. Mas ela não desligou. Apertou varias vezes, cada
vez mais forte, sem sucesso. Bateu o controle na palma da mão, tirou e colocou
as pilhas, bateu contra a parede, tudo que fazia era em vão. A TV não
desligava.
Constatou que a pilha havia acabado.
Se aproximou da TV e procurou a tomada. Achou-a atrás de
um vaso com uma planta. Tirou-a da energia elétrica. O que aconteceu fez Adriel
esquecer que estava tonto e fraco. Mesmo depois de ter tirado a TV da tomada
ela continuava ligada. Olhou para a tela e os pontinhos preto e branco
continuavam lá, e o chiado ainda podia ser ouvido por ele. Olhou para a tomada,
para constatar se realmente era da TV. E era.
Largou-a no chão, assustado, andou até o meio da sala,
sem entender o que estava acontecendo. Ficou olhando para a televisão quando,
enfim, ela desligou, assustando Adriel.
- Que porra que está
acontecendo?
Após ficar mais um tempo lá quis esquecer o que acabou de
acontecer. Devia ser alguma falha com a TV e, que mais tarde, ligaria para o
Júlio para notifica-lo sobre os problemas que estava tendo com ela. Foi até o
notebook e enviou o seu artigo. Enfim, teria todo o dia para fazer o que
quiser. E isso, para Adriel, era passar o dia deitado, lamentando-se de como
estava a sua vida.
Ainda não conseguia entender o que estava vendo. Diante
do computador, dentro do e-mail que aquela estranha voz pediu para que ela
entrasse, via um caixa de entrada e saída vazias. O que era, afinal, que ela
deveria olhar dentro deste e-mail?
O nome “adri30” dava a entender que era Adriel 30, as
três primeiras letras de seu nome e a sua idade. Mas este não era o seu e-mail,
era adriel-moura@yahoo.com.br. Michelle se questionava de tudo aquilo e
resolveu ir embora e, já que tinha saído de seu casulo depressivo, iria visitar
Andréia, sua melhor amiga.
Meia hora em seu carro e parou na frente da casa dela.
Olhou a fachada da casa e sentiu vontade de por o pé no acelerador e ir embora
de volta para o seu apartamento. Ou então bater forte contra um muro para
acabar logo com todo esse tormento. Mas uma voz a tira de seus pensamentos, era
Andréia.
- Michelle?! Michelle é você
mesmo?!
Ela olhou para a sua amiga com um meio sorriso, sem
jeito. Abriu a porta, saiu do carro e abraçou-a. Não conseguiu conter as
lagrimas que logo encharcaram os ombros de Andréia, e os soluços dominaram o
ambiente afetando o coração de sua amiga que já sabia os motivos do choro.
- Você sumiu amiga. Soube,
por altos, tudo o que aconteceu. Devia ter me procurado. Fiquei preocupada.
Liguei várias vezes pra você e não tive retorno.
Realmente Andréia havia ligado várias vezes, até
desistir.
- Venha, entre, tome um copo
de água e vamos conversar. – disse, levando-a para dentro.
Logo Michelle se viu dentro da casa de sua amiga, tomando
um chá e contando toda a historia da separação para ela. Ressaltou todo o drama
que ela viveu quando, ao acordar, ver que seu marido não estava mais lá, tendo
deixado somente as fotos do crime contra o amor que sentiam um pelo outro.
- Estou destruída – dizia,
com lagrimas nos olhos.
- Te avisei que isso poderia
dar merda. Que era pra largar esse caso. Mas infelizmente ele descobriu. O que
pretende fazer?
- Ainda não sei. – disse, se
lembrando novamente da ligação. – ontem recebi uma ligação do Adriel, mas não
era ele que estava na linha, era outro homem.
- Como assim? – perguntou
sem entender.
E ela contou toda a historia. Contou que alguém, um
homem, estranho, de voz rouca, ligou para ela usando o número do Adriel. Disse
coisas sem nexos, para ela o achar logo antes que algo acontecesse com ele e
tinha lhe dado um e-mail com a senha. Mostrou o papel a ela.
- Viu esse e-mail?
- Sim, não há nada na caixa
de entrada e saída. Nada.
- É um e-mail do gmail, pode
ser uma conta de celular.
- Será?
- Sabe de quem é?
- Pelo que parece é do
Adriel, mas não tenho certeza.
- Ele tem um celular com o
sistema android?
- Sim, tem. Comprou esse
ano.
- Pode ser que seja do
celular dele.
- E que função teria isso
para mim? Não há nada lá. – disse, com tom de frustação.
- Não sei te disser. Não
entendo dessas coisas. Sei que o Google tem varias ferramentas.
- Quer saber de uma coisa?
Não quero mais saber disso. – falou com tom de irritação.
- Tudo bem. Bom, podemos
sair pra almoçar. O que acha?
- Realmente estou faminta e
a um bom tempo não como comida de verdade.
- Dorme comigo hoje, vai ser
bom pra você.
- Acho que aceitarei o seu
convite. Preciso, mesmo que por um dia, fugir de tudo isso.
- Vou me arrumar e já volto.
Michelle ficou lá refletindo. Mesmo tendo dito que não
queria mais saber daquele e-mail a curiosidade pelas novas informações lhe
tomou. Que tipo de ferramentas poderia ter que ajudaria ela a descobrir onde o
seu marido estava? Isso não saiu da sua cabeça. A fala daquele homem também
ecoava em sua mente.
“Escuta,
acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de
falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.
Seria
mais uma noite sozinho naquela casa excêntrica, agradavelmente fria e
confortável. A cabeça e a mão de Adriel latejavam de dor, mas o comprimido que
havia tomado estava começando a fazer efeito e logo relaxaria com a ausência da
algia momentânea. O que faria naquela noite? Decidiu assistir um bom filme
naquela “TV assombrada”. Era como gostava de chama-la agora.
Pés
para o alto, almofada embaixo da cabeça, pipoca e cerveja ao alcance da mão e
um bom filme de faroeste passando naquela imensa TV. Momentos assim faziam
Adriel esquecer a sina ao qual estava passando. Via a vida boêmia que o personagem
principal do filme vivia e começava a imaginar tudo o que poderia fazer agora
que estava solteiro.
Começou
a se imaginar em uma festa, bebendo com alguns amigos, quando nota uma linda
ruiva lhe observando. Seus cabelos ondulados cobriam seu olho direito, seus
olhar sensual era desafiador e percebia um pequeno sorriso em seus lábios.
Imaginava ela vindo andando em sua direção, com um rebolado sensacional e com
um decote que valorizava, e muito, seus seios fartos.
Conversavam
um pouco e o convidava para ir para um lugar para ficarem mais “a vontade”.
Nisso, havia uma ruptura nos pensamentos de Adriel, que o levavam já para o seu
carro, com ela ao lado. Ele trocavam beijos e caricias maliciosas, sentia a mão
dela percorrer todo o seu corpo até ficar entre as suas pernas. Ela sentia o
volume de suas calças e abria o zíper. Colocava o pênis de Adriel para fora e o
presenteava com uma chupada que ele nunca havia tido em sua vida.
A
imaginação fez com que ele realmente se excitasse, mesmo que nunca fosse ter
essas experiências ele gostava de imagina-las. Começou a acariciar seu pênis
sob as calças até que resolveu tira-lo para fora. E então, quando deu por si,
começou a se masturbar imaginando o boquete daquela ruiva que só existia em sua
imaginação.
O
ápice estava chegando, ele estava sentindo o gozo vim de dentro de suas
entranhas, caminhando por seu caminho natural para chegar até a cabeça do
pênis. Os movimentos começaram a ficar mais firmes, fortes e rápidos. Quando
algo assusta Adriel perdendo completamente o prazer que estava sentindo.
A
luz e a TV haviam sidos apagados de repente.
Ele
ficou lá, sentado no sofá, tentando se situar da realidade, com o pênis – agora
mole – para fora da calça. Quando pensou em se levantar para verificar o que
estava acontecendo a TV ligou. Novamente sozinha e com aquele chiado infernal
com os pontinhos brancos e pretos, que já tinham até aparecidos em um sonho que
teve.
- Mas que diabo. A luz
voltou, mas a lâmpada não acendeu. – disse, enquanto guardava seu membro de
volta no lugar e fechava o zíper.
Pegou o controle e apertou o botão para desligar, mas não
desligou. Isso não surpreendeu Adriel, já estava se acostumando a ideia que
aquela TV tinha vida própria. Quando ia caminhando até a TV para apertar o
botão, uma imagem surgiu na grande tela. Algo que Adriel realmente não
esperava. Ele ficou lá, olhando, sem entender nada o que estava acontecendo. Andou
de costa até sentir o sofá e sentou nele.
Estava passando um filme, mas não era um filme comum. Não
era o tipo de filme que se assistia na televisão. Nem as transmissoras mais
liberais, em altas horas da madrugada, teriam coragem de por um filme daquele
gênero. Não era um filme como estamos acostumados a ver com as grandes
quantidades de frames por segundo, onde nem percebemos que um vídeo é uma
sequencia de fotos. Não era. Parecia mais um slide de fotos, em sequencia,
correndo tão rápido que parecia dar vida aos personagens. Podia se perceber os
micro segundos que não haviam sido registrados pela câmera, dando a impressão
de estar em uma festa com as luzes piscando, dando a impressão de movimentos
robóticos aos personagens que aparecem na TV.
Na tela algo mais cruel e sádico que o quadro que estava
na sala. Havia um grupo de homens e mulheres, alguns davam gargalhadas, outros
gritavam e tinha aqueles que só olhavam, com sorrisos maliciosos. Sons que não
podia ser ouvido por Adriel, gritos e risos que não chegavam aos seus ouvidos.
O filme era mudo.
Logo a frente da multidão havia dois homens, um deles
estava encapuzado e em sua mão havia uma grande cerra, parecida com a que os
lenhadores usavam para cortar grandes árvores. E o outro sujeito, um jovem,
estava ao lado desse homem. Dava o ar de estar nervoso e com medo do que iria
acontecer.
A frente deles, mais afastado um pouco, havia uma mulher.
Era tão bela. Os cabelos ondulados ao sabor, pele branca, seios pequenos mais
durinhos e suas curvas eram tentadoras, ela estava nua. Havia marcas que
tiravam um pouco da beleza, marcas que sangravam, marcas de torturas.
Chicotadas, cortes de navalhas e luxações feitas por batidas de porrete.
Mas não era a imagem da agressão que estava tirando o ar
de Adriel, mas o que viria a seguir. Sim, ele sabia o que viria a seguir. Já
tinha feito um trabalho a respeito na faculdade de jornalismo. Já tinha
apresentando um seminário sobre as torturas da Santa Inquisição. Sim, era disso
que se tratava. Aquela mulher iria morrer. E da forma que Adriel mais tinha se
arrepiado durante as suas pesquisas.
Ela não estava simplesmente nua, mostrando o seu corpo
marcado para aquele público insano. Ela estava pendurada, de cabeça para baixo,
como um animal pronto para o abate. Seu corpo estava entre dois grandes
troncos, cada pé amarrado em um deles, fazendo suas pernas ficarem em forma de
V. Seus braços, aberto, mostrando o peito para o mundo a sua frente, também
amarrados nos mesmos troncos. Embaixo de si uma poça de água, feitas com as lagrimas
da sua agonia e do suor de seu corpo.
Os carrascos estavam lá, conversando entre si, apontando
para ela e gritando para a multidão. Do que será que ela estava sendo acusada?
Traição? Seria irônico, nas circunstancias da vida de Adriel, estar vendo um
vídeo de uma morte da Santa Inquisição de uma mulher acusada de traição.
O show estava preste a começar. O peito de Adriel se
apertou, sabia perfeitamente as cenas que viriam a seguir e realmente não
queria ver aquilo. Pegou o controle para trocar de canal, mas sem efeito.
Queria levantar para tirar a TV da tomada, mas a sua curiosidade não deixou.
Ele estava se sentindo horrorizado com tudo aquilo, mas no fundo queria ver uma
adultera ser morta como devia.
O mais jovem se posicionou a frente dela, o outro,
encapuzado (mas dava pra notar ter mais experiência) se posicionou na parte de
trás. Realmente Adriel não queria ver aquilo, mas algo o segurava, seus olhos
cresceram, esqueceu de que seu organismo o obrigava a piscar. O encapuzado
colocou a cerra entre as pernas da mulher, encostando os seus dentes em sua
vagina, o corpo da mulher tremeu. Ela se contorceu, mas sentiu os dentes lhe
ferindo e parou.
O rapaz pegou a cerra do outro lado, a mulher começou a
chorar e a gritar, percebeu que logo eles iriam começar e, mesmo com a dor, começou
a se contorcer novamente Queria se livrar das amarras, mas era inútil. O homem
lhe desferiu um soco na costela que a deixou sem ar, paralisando-a, assim poderiam
começar o trabalho sem imprevisto.
Adriel colocou as mãos nos olhos quando viu os dois
fazerem o primeiro movimento de corte e a mulher se contorcer de dor. Ficou lá
na escuridão que suas mãos lhe faziam por um tempo, criando coragem para ver
novamente. Quando olhou novamente a cerra já estava no ventre da mulher. Eles
lhe cortavam com maestria, precisão e força.
O sangue lhe escorria o corpo e derramava torrencialmente
no chão. A cerra ia fazendo o seu movimento de vai e vem por aquele corpo ora
antes apreciado pela sua delicadeza por Adriel. Já estava passando o umbigo, a
mulher não tinha mais forças para tentar, inutilmente naquela situação,
escapar. Somente tremia. As tripas começaram a sair de dentro dela, alguns
pedaços do fígado começaram a ficar amostra.
Quando a cerra chegou perto do coração eles pararam. Ela
ainda estava viva, a posição favorecia a oxigenação e o fluxo de sangue para o
cérebro. Era uma morte cruel, e algumas vezes lenta. Tiraram, sem cuidado
algum, a cerra de dentro dela e junto veio pedaços do intestino grosso e
delgado que ficaram pendurados em seu corpo.
Os carrascos olharam por alguns segundos o trabalho bem
feito. Um bom carrasco era aquele que torturava sadicamente, e deixava as
pessoas ainda vivas, agonizando, com suas tripas e órgãos amostra. Quanto mais
tempo sofrendo algum acusado vivia, melhor a reputação do carrasco.
Então os dois personagens saíram. Os expectadores da
morte ainda ficaram alguns segundos olhando aquela mulher e depois foram se
dispersando. Parecia tão real. A sensação de que tinha era de que aquilo
realmente tinha sido filmado. Mas impossível, eles nem sabia o que era
fotografia naquela época. Era algo inimaginável.
Algo chama a atenção no vídeo. Uma fumaça negra começa a
aparecer do chão na frente da mulher. Aos poucos vai tomando forma. Um braço,
uma perna, uma cabeça e... um rabo?! Uma figura humanoide se solidifica na
frente daquela moça. Um demônio, pelo que parece. Ficou olhando-a por alguns
segundos até resolver se aproximar.
Aquilo os livros e sites que Adriel havia pesquisado não
mencionavam. Os demônios vinham buscar a alma dos mortos da Santa Inquisição?
Ficava imaginando o que aquela entidade estava fazendo lá quando viu algo que
fez a sua janta chegar à boca e voltar. Aquele demônio estava pegando as carnes
do sistema delgado penduradas em seu corpo e comendo.
Ele estava se deliciando com toda aquela farta refeição
humana pendurada em sua frente. A mulher, sonolenta, quase deixando o corpo,
ainda podia ver aquele ser grotesco comendo as suas vísceras, sem poder fazer
nada. Viu quando aquela criatura meteu a mão dentro dela, sentiu suas garras
vasculhando algo em seu interior, e de lá arrancou um rim e começou a se
deliciar.
Aquilo era demais para Adriel. Levantou-se rapidamente e tirou
a tomada da TV. Ela, dessa vez, desligou no ato. Perguntava-se que diabos era
aquilo. O suor e as lembranças das cenas que acabou de ver lhe tiraram a paz.
Resolveu ir tomar um banho e dormir, se conseguisse. Amanhã teria que procurar
o Júlio para falar da TV.
Michelle nem havia conseguido dormir naquela noite. As
palavras daquela voz esquisita havia tirado o sono dela. Olhou para a hora em
seu celular, já era quase oito da manhã e nem sinal do sono chegar. Olhou para
a porta e viu aqueles raios de luz entrar por baixo e pela fechadura, o dia já
havia surgido e ela não tinha animo para levantar. Ouvia-se barulho de
aspirador de pó ao longe, sua amiga Andréia já havia acordado e estava cuidando
da casa, mas ainda não tinha ido ver a Michelle acreditando que ela estivesse
dormindo. Que engano.
As palavras daquele homem não saiam de sua cabeça. Por
que diabos aquele cara iria falar aquilo?
“Escuta,
acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de
falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.
Ecoava em sua cabeça sem parar. Esforçava-se ao máximo
para entender o que estava se passando. Será uma ameaça a vida dele?
“Escuta,
acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de
falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.
Será que ele iria se mudar para um lugar distante a ponto
de nunca mais poder encontra-lo?
“Escuta,
acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de
falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.
Será que ele teria conhecido alguém que balançou a cabeça
dele, apaixonou-se e está para se casar com ela? Mas já? Assim, tão rápido?
“Escuta,
acho melhor encontra-lo logo... Quem sabe você nunca mais terá a chance de
falar com ele. Nem de vê-lo novamente”.
Michelle não suportou a ladainha e resolveu agir
novamente. Pulou da cama e foi tomar um bom banho de água gelada. Depois que se
arrumou foi na cozinha com a sua amiga tomar um bom café e falar com ela.
Agradeceu por ter lhe acolhido e explicou que iria resolver sua vida. Dito isto
partiu em direção para um lugar aonde, ainda, não sabia qual era.
Resolveu ir para um cybercafé pesquisar sobre as
ferramentas que o Google oferece a seus usuários. A pesquisa levou tempo, quase
toda a manhã. Quanto mais ela acessava links e descobria algo novo mais se
frustrava. Nada do que achava lhe era útil. Perto do horário do almoço, quando
estava desistindo e ia sair, ela vê um link que poderia ser útil. Nele estava
escrito “Se você tem um celular com o sistema android saiba que a Google tem um
relatório por todos os lugares pode onde esteve”.
Se lembrou que recentemente Adriel havia comprado um
Samsung Galaxy Win, o qual possuía esse sistema. Acessou o link para ver sobre
o que se tratava. Para poder ter acesso a essa ferramenta o usuário deveria
entrar em sua conta Google a qual está no celular e acessar a ferramenta. Será
que aquele e-mail era da conta do celular de Adriel? Ela tinha que conferir
isso.
Entrou na conta, procurou o link e o localizou. Demorou
alguns segundos e um calendário, com um mapa no lado, surgiu. Marcou as datas
do dia em que ele foi embora até aquela data presente. Mais alguns minutos de
espera e o mapa abriu, mostrando todos os pontos onde aquela conta esteve. Se
encheu de felicidade quando percebeu que realmente era do Adriel, pois um dos
pontos marcados era em seu apartamento.
Olhou para as datas atuais e viu que os pontos se fixaram
em uma cidade próxima. Ela não se conteve, tinha que ir lá falar com ele, se
levantou rápido, pagou e correu para o carro. Se saísse agora chegaria lá de
madrugada. Finalmente poderia ficar cara a cara com o seu amor e pedir perdão.
Poderia explicar tudo e, quem sabe, poderiam voltar a ser felizes.
Mas Michelle, com a felicidade, esqueceu-se da ligação e
daquela voz que lhe deu a conta do celular de Adriel. Esqueceu completamente da
sensação de perigo que sentira quando ouviu aquela voz.
O sexto sentido feminino nunca pode ser subestimado.
Ao anoitecer Adriel chega a sua casa, passou o dia fora
conhecendo os balneários que existiam naquela cidade. Tinha se divertido muito,
bebeu um pouco e tinha até sido paquerado por algumas garotas. Mas seu coração
ainda não estava pronto pra sentir o gosto de outra mulher. Poucos dias se
passaram depois do acontecido, tanta coisa mudou de um dia para o outro.
Realmente não queria ficar com ninguém.
Ao entrar naquela casa sentiu o frio diferente do que
estava acostumado, por alguma razão as centrais de ar estavam no mínimo de grau
possível. Ao entrar na sala as luzes começaram a piscar, sem ao menos ter
tocado no interruptor.
- Essa casa é louca – disse
para si mesmo.
Apertou o interruptor algumas vezes, mas a luz não
desligava. Ficava somente piscando intensamente. Isso começou a irritar Adriel
que resolveu deixar daquele jeito e ir para o quarto dormir. Estava exausto. Ao
se virar as luzes pararam de piscar, a escuridão tomou conta e logo foi
quebrada pela luz da TV, seguidos dos chiados que Adriel já conhecia bem.
Voltou-se
novamente para a sala para contemplar, novamente, aquelas danças de chuviscos
de pontos pretos e brancos na tela. Adriel esfregou a mão na cara, realmente
estava com raiva daquela situação. Impulsionou o corpo em direção à tomada da
TV quando algo na tela lhe chamou a atenção.
Aqueles pontinhos pretos e brancos começaram a se
organizar. Isso era impossível. Os pontos brancos começaram a se aglomerar na
parte externa da tela, enquanto os pontos pretos começaram a se juntar no meio,
criando uma forma. O processo era lento, mas perceptível. Logo os pontos pretos
começaram a dar uma forma humanoide. Surgiram as pernas, um braço, depois o
outro, um corpo magro e uma cabeça grande.
Adriel nunca havia visto algo semelhante. Havia um homem
feito de pontos pretos na tela. Aquele formato não lhe era estranho, já havia
visto em algum lugar. As garras que foram surgindo nos dedos cumpridos daquela
criatura lhe trazia a lembrança de algo. Sim, era a mesma criatura que devorou
aquela mulher naquele vídeo que aparecera de repente da televisão. Estava lá,
na sua frente, formado por diversos chuviscos pretos de uma tela sem
transmissão.
- Mas que porra é essa? –
disse Adriel assustado.
Ele queria ir desligar aquela televisão, mas suas pernas
estavam travadas de medo. E o que viu a seguir só fez aumentar o terror dentro
de si. Tinha a impressão de que aquela criatura estava saindo de dentro da
televisão. Estaria ficando louco? Isso não poderia ser possível. Mas era
verdade.
Uma das exageradamente longas pernas da criatura pisou no
chão da sala. As partes que iam saindo lentamente deixavam de serem meros
pontos pretos e ganhavam forma real. Tinha uma cor amarronzada, sua pele era
fina e tinha uma leve camada de uma gosma transparente, parecida com vaselina.
Vendo aquela criatura sair de lá, indo a sua direção, fez
Adriel temer por sua vida e querer fugir de lá. E foi o que fez. Virou-se
rapidamente e correu em direção à porta. O medo fez seu corpo tremer e se
atrapalhou na hora de tirar os trincos da porta. Ouvia o som das garras tocando
levemente o piso, cada vez mais próximos. Temia em olhar para aquela criatura,
só pensava em sair de lá.
Quando finalmente conseguiu abrir a porta se surpreendeu com
alguém que lhe aguardava com um bastão de baseball, que logo foi de encontro
com a sua cabeça e o fez perder a consciência. Seu corpo caiu sem movimento na
entrada da excêntrica casa sem janelas. E logo foi arrastado de volta por
aquele homem que lhe agredira.
Aos poucos Adriel foi retomando a consciência. Ele estava
deitado em algum lugar confortável, mas o ambiente estava todo escuro. Começou
a sentir a sua cabeça latejar de dor e quando foi pegar no local percebeu que
seu braço estava acorrentado. Aos poucos foi percebendo que seu corpo estava
preso a uma cama. Ainda não conseguia entender se tudo aquilo era real.
Quando finalmente a vertigem passou ele começou a tentar
se soltar daquelas correntes. O silencio que pairava no ar era quebrado com o som
do metal sendo movido pelos movimentos de seus braços e pernas. Começou a
gritar por socorro, mesmo sabendo que seus gritos de pânico seriam em vão. Seus
olhos tentavam ao máximo enxergar algo naquela escuridão, mas nada conseguia
ver.
Logo parou de tentar escapar e de gritar, pois a sua
cabeça começa a doer mais. E lá ficou deitado, respirando lentamente, tentando
captar com os ouvidos algum som que pudesse lhe dizer alguma coisa, mas só
conseguia ouvir o seu coração bater fortemente em seu peito graças ao medo que
estava sentindo. Ele pensava milhões de coisas que poderiam acontecer com ele.
Uma pequena luz do seu lado direito é acesa, iluminando
um pouco o ambiente. A primeira intenção dele era olhar para quem havia
acendido, mas o medo não deixou. Ele ficou olhando o teto, imóvel, receoso do
que poderia encontrar. Aos poucos foi reconhecendo a cor do teto, a lâmpada e
alguns objetos que seu olhar periférico captava. Ele estava em seu quarto,
amarrado em sua cama e sentia a presença de alguém o observando e, pelo local
que vinha a luz, estava sentado na poltrona ao lado de um abajur.
- Meu caro Adriel, é feio
não cumprimentar as pessoas. – disse o homem que o observava.
Aquela voz era familiar, ele a conhecia. Estava mais
mansa, mas não diferente das outras vezes que já havia ouvido ela. Seu coração
pulou, sua veia jugular interna parecia que ia estourar, a confusão podia ser
notada por sua expressão facial. Ele, aos poucos, foi virando os olhos para o
homem que havia lhe agredido e acorrentado em sua cama, queria ver com os seus
olhos se era quem realmente pensava ser.
- Sr. Júlio?! – disse
assustado.
Ele estava sentado, com as pernas cruzadas, na poltrona.
Em sua mão havia um canivete que estava usando para limpar uma de suas unhas.
Seu olhar estava fixo no que estava fazendo e em seu lado, encostado na parede,
estava o taco que havia sido usado para agredir o Adriel, ainda manchado com o
sangue.
- Por que o susto? –
perguntou a Adriel voltando seus olhos para ele.
- O que significa isso?
- Ora, meu caro, não é só
essa duvida que esta em sua cabeça não é? – deu de ombros, apontando o canivete
para Adriel e dando um sorriso cínico.
- O que eu fiz para você?
- Você não fez nada, ainda
irá fazer.
- Como assim?
Com essa pergunta o Júlio deu uma risada, levantou, puxou
a poltrona para o lado da cama, e começou a falar.
- Vou ser curto e grosso. Irei
lhe matar.
Essas palavras atingiram Adriel como uma navalha que
perfura um pulmão e faz a pessoa se afogar no próprio sangue. O horror se
estampou em sua cara de tal forma que fez o Júlio rir por vários minutos.
Gritos de socorro começaram a ser emanados com todas as forças por nosso jovem
acorrentando.
- Pare, por favor. – pediu
Júlio sem sucesso.
- Pare, já disse. – mais uma
vez sem ser atendido.
- Eu disse para parar de
gritar. – disse sem ser ouvido.
- Pare! – gritou Júlio
enfiando o canivete no tórax de Adriel.
A dor foi imensa e o grito inevitável. Ele sentiu aquela
lamina perfurando a sua pele e dilacerando o peitoral menor. O sangue escorreu
e encharcou o lençol. Quando Júlio retirou a lamina e Adriel sentiu a dor
novamente percebeu que era melhor ficar em silencio.
- Se você me ouvir quem sabe
não viva uns minutos a mais.
Adriel só balançou a cabeça respondendo que havia
entendido.
- Você deve está curioso
para saber o porquê tudo isso, não é?
- Não me importa saber. –
disse virando a cara para o outro lado.
- Por que não? – perguntou
Júlio curioso.
- Saber vai fazer eu me
salvar?
- Não, é claro.
- Então não me importa. –
respondeu, tirando risos de Júlio.
- Tem um amigo meu que você
já deve conhecer, mas gostaria de apresenta-lo.
Adriel ficou curioso com o que ele disse. Que amigo seria
esse? Ele não havia conhecido ninguém naquela cidade, não havia feito amizades,
absolutamente nada. Somente algumas palavras trocadas com poucas pessoas logo
que havia chegado. Quem haveria de ser? Ele não parava de pensar. Mas seus
pensamentos foram quebrados quando sentiu a cama balançando misteriosamente.
Uma fumaça negra começou a sair das paredes, como se
fosse um suor em forma de vapor. Ela começou a se acumular em frente à cama,
que não parava de balançar, acompanhada da luz do abajur que não parava de
piscar. Aos poucos aquela fumaça começou a ganhar forma. Sim, era quem ele
estava imaginando. Aquela mesma criatura que viu saindo da televisão era a que
estava surgindo em sua frente. Isso o desesperou.
- Socorro, alguém me ajuda,
socorro. – gritava Adriel enquanto tentava se libertar, inutilmente, das
correntes.
- Já falei que não adianta
gritar. – disse Júlio, enquanto olhava para aquela criatura que acabava de
surgir por completo.
- Que diabo é isso?
- Isso, meu amigo, é o meu
bichinho de estimação.
Adriel pode ver agora, com mais clareza, aquela criatura.
Tinha dentes enormes, olhos que pareciam dois grandes buracos negros, os braços
e pernas eram compridos e finos e as garras eram grandes e afiadas. Seu corpo
era inclinado para frente, sua respiração era pesada e uma gosma negra gotejava
de sua boca que sempre ficava aberta.
- Meu Deus! Me solte pelo
amor de Deus. – implorou Adriel.
- Meu caro Adriel, Deus não
está nessa casa.
- O que você quer comigo?
Quem é você? Que monstro é esse?
- Se lembra de um filme que
passou na TV, uma mulher sendo morta na inquisição, e logo depois apareceu uma
criatura para comer as suas vísceras?- perguntou, vendo a confirmação com o
balançar de cabeça de Adriel. – Pois então. Eu era o homem encapuzado e aquela
criatura é esta que está na sua frente.
- Impossível. – disse Adriel
instintivamente.
- Por que acha impossível?
- Você não viveria tanto
tempo assim.
- Você está diante de um
demônio, vindo do inferno, e não acredita que eu possa ser imortal?
Essas palavras fizeram sentido para Adriel, que além de
assustado estava surpreso diante de todo esse fenômeno que estava presenciando.
Nunca havia imaginado que, no mundo, houvesse tantas coisas ocultas.
- Como isso é possível?
- Simples. Esta criatura é
minha propriedade, eu a fiz nascer. E tendo ela sob meu poder ela pode me dar o
que eu quiser. Basta eu alimenta-la.
- Como?
- Ela mostrou, na televisão,
uma lembrança minha. Algo para te aterrorizar e mostrar o que iria vir. – disse
enquanto cortava a camisa de Adriel com o canivete, deixando o peito amostra e
lhe causando horror. – você já deve ter ouvido falar no livro de São Cipriano
certo?
- Sim. – respondeu
sussurrando, com medo de ser cortado pelo canivete.
- Os anos o fizeram mudar
completamente. Aqueles feitiços não funcionam, estão completamente diferentes.
Nele há um que ensina como fazer um demônio nascer de um ovo.
Adriel fica escutando atentamente, olhando para o demônio
e sentindo o ar gelado em seu peito desnudo.
- Não cabe aqui eu ensinar
como fazer uma criatura dessas vim para o mundo. Quando eu era carrasco da
inquisição eu tive acesso a esse livro, o livro verdadeiro, e fiz esse feitiço.
Logo tive o meu demônio particular e com ele a vida eterna. Usei muitas pessoas
daquela época para alimenta-lo. Agora está cada vez mais difícil. Me mudei para
cá e uso essa casa para atrair minhas vitimas.
- Então vai me usar como
comida?
- Na verdade não.
- Como assim?
- Meu caro, a carne do
demônio tem prazo de validade. Logo ele morrerá e a alma dele voltará para o
inferno, e com isso eu morrerei. Eu não quero.
- Você fará novamente o
ritual? Então vou ser um ingrediente? – disse, cada vez mais assustado.
- Também não, você é mais
uma isca.
- Isca? Como assim?
- No livro de hoje diz que
precisamos de um ovo. Mas não é verdade. O ovo é símbolo de uma nova vida. Se
formos colocar essa simbologia nos seres humanos o que teremos?
- Eu não sei. – disse Adriel
sem poder pensar com todo aquele horror.
- Bom, acho que já chega de
papo, não é mesmo?
- Se eu sumir as pessoas
irão perceber e irão chamar a policia.
- Não se preocupe, eles
sabem de tudo. Eles não farão nada, eles tem medo. Eles sabem que a policia não
podem defendê-los de algo que vai além dos poderes humanos.
Adriel tentou se livrar das correntes novamente, sem
sucesso. Seus gritos ecoavam pela casa, mas nenhuma resposta do mundo de fora.
Aquela criatura ficava lá, parada, vendo o seu mestre enfiar o canivete no
tórax de Adriel e, com um movimento vertical, ia cortando todo o seu abdômen. O
corte era perfeito, feito bem na linha alba, deixando amostra todas as suas
vísceras, mas sem danificar um órgão. A dor era grande, os gritos tomavam conta
do ambiente e se podia perceber a sede daquela criatura pelo sangue que
escorria do infeliz.
O corte parou próximo ao pênis. Júlio sentou novamente na
poltrona e ficou apreciando o seu trabalho, enquanto Adriel agonizava em cima
da cama. Logo a criatura, sedenta por carne e sangue, subiu em cima da cama.
Adriel ainda tentou se libertar, seus movimentos fizeram parte do seu intestino
delgado sair, o que provocou mais a fome daquele demônio.
As garras da criatura foram adentrando a barriga de
Adriel, vasculhando, cortando, até que encontrou o que procurava, agarrou e de
lá arrancou um rim. A dor foi insuportável. Adriel viu aquela criatura, com
duas mordidas, comer um rim inteiro. Novamente outra investida e de lá seu
outro rim foi arrancado e devorado.
A dor e a perca de sangue estava fazendo Adriel ficar
tonto, fraco e com a visão embasada. Ele ainda conseguia ver aquela criatura
devorando as suas vísceras como um desesperado. Ele estava morrendo, sabia que
logo a sua alma deixaria aquele corpo. E nos últimos segundos que lhe restavam
ele se lembrou do que Júlio havia dito: “... você é mais uma isca”. Isca para o
que? Isca para quem? E foi pensando nos planos de Júlio, e vendo aquela
criatura lhe devorar, que Adriel deu adeus a sua vida.
A madrugada havia chegado e com ela surgiu luzes de um
farol de carro em frente aquela casa, era Michelle que havia acabado de chegar.
Demorou mais do que havia previsto por que ainda tinha ido a seu apartamento
pegar algumas coisas, o que se arrependeu depois de ter feito.
Desligou o carro e ficou olhando aquela casa esquisita,
não havia vizinhos nem janelas. Ficou se perguntando como Adriel havia chegado
até aquela casa. Ficou lá, pensando, sabendo que estava próximo de seu amado e tudo
o que aconteceria ali poderia mudar tudo o que estava acontecendo. Mas ela não
deixava de se lembrar do que havia acontecido.
Ao chegar a seu apartamento encontrou, na porta, Roberto.
Tentou manda-lo ir embora, mas ele não quis. Tinha muito que falar e não sairia
dali sem dizer tudo o que estava preso em sua garganta. Acabou cedendo e
deixando-o entrar.
Juras de amor, declarações e pedidos de desculpas.
Roberto usou de todas as artimanhas para que Michelle ficasse com ele, mas ela
estava convencida de que ele era o culpado de tudo o que havia acontecido.
Novamente estava o expulsando de novo quando este não se segurou e lhe roubou
um beijo.
No inicio ela tentou empurra-lo, bate-lo, mas foi cedendo
ao calor do corpo, ao beijo guloso e a capacidade que ele tinha de faze-la
esquecer do mundo. Ela não entendia como conseguia se entregar a ele sem o
amar. Quando percebeu ela estava na cama com ele, de quatro, enquanto ele a
penetrava com vontade.
Após o sexo selvagem que estava acostumado a fazer,
Roberto adormeceu. Michelle, ao seu lado, ficou imaginando se ela realmente
deveria ir atrás de Adriel ou ficar com o homem que acabou de dar. A vida com
ele não seria tão ruim. Decidiu, então, ir atrás de Adriel. Encontrar com ele
lhe daria as respostas.
E a mesma duvida estavam na cabeça de Michelle naquele
momento. Será que ela deveria entrar e falar com o Adriel ou voltar para os
Braços de Roberto?
- Você já veio até aqui, não
pode desistir agora. – falava para si mesma.
Saiu do carro e decidiu encontrar com o homem que havia
traído. Parou em frente à porta e ficou alguns segundos respirando e criando
coragem para encontra-lo. Quando bateu na porta percebeu que ela estava aberta.
Segurou-a firme e lentamente foi abrindo e entrando. Logo notou que as luzes da
casa estavam todas desligadas, com exceção da sala que transmitia uma luz
fraca.
Ao chegar na sala percebeu que alguém estava sentado em
uma poltrona, e ao seu lado havia um abajur com uma luz bem fraca, fazendo o
rosto daquele homem ficar oculto na escuridão. Ela se aproximou um pouco e
forçou os olhos para enxergar aquela pessoa. Logo, percebeu que reconhecia
aquele corpo.
- Adriel, é você?
Aquele homem estendeu a mão até o abajur e aumentou a
intensidade da luz, e logo seu rosto pode ser visto, mesmo que não
completamente. Sim, era o Adriel que estava sentado lá, mas havia algo de
diferente. Ele estava pálido, seus olhos estavam sem vida e sua boca seca.
- Amor, o que houve com
você? – disse Michelle percebendo a decadência física de Adriel.
- Foi só uma doença, mas já
estou melhorando. O que você está fazendo aqui.
- Eu. – disse Michelle
querendo chegar ao ponto. – vim pedir perdão pra você.
- Você acha que eu devo lhe
perdoar por ter transado com o meu melhor amigo?
- Eu não o amo. Eu amo você.
Eu fui usada Adriel. Ele me seduziu, me enganou, e você não tem noção de quanto
estou sofrendo por sua falta.
- Eu também estou sofrendo.
Michelle ficou feliz com essas palavras, de alguma forma
sentiu que teria chance de quebrar as defesas de Adriel. Mas sentiu um incomodo
no coração, pois ele não demonstrava nenhuma reação, nem raiva, nem piedade,
nem amor. Seu rosto estava imutável com o que estava acontecendo.
- Tem certeza que você está
bem? – perguntou preocupada.
- Nunca estive melhor. E tudo
vai melhorar por que você está aqui. – disse se levantando e abrindo os braços.
Ela correu em direção a ele, abraçando-o e chorando de
felicidade. Não acreditou que seria tão fácil. Ela achava que seria expulsa e
acusada por traição, mas não foi. Só o amor que ambos sentiam um pelo outro era
a explicação pelo perdão.
Logo eles estavam no quarto, se despindo, deitando na
cama. Ela sentia aquele corpo frio, aqueles lábios secos e aquele pedaço gelado
de carne lhe penetrando. Ele estava realmente doente, acreditava. Mas a
sensação de felicidade por tudo ter sido resolvido lhe extasiou de qualquer
outro pensando que não fosse aquele prazer carnal que o sexo estava
proporcionando.
Seus olhos se abriram na escuridão no quarto e a sensação
de conforto e relaxamento, após o sexo, dominou o corpo da Michelle. Ela sentiu
o seu amado ao seu lado, dormindo, e imaginou o que ele estaria sonhando e o
que seria deles daqui pra frente. Resolveu lhe acariciar, passou a mão por seu
cabelo e rosto, ainda estava gelado. Foi descendo suavemente por seu tórax, até
chegar na barriga, e percebeu que havia algo de estranho.
Havia uma proeminência que dividia sua barriga, como uma
cicatriz, e pequenas bolinhas com pontas por toda essa área, como se houvesse
sido cortado e costurado. Isso a assustou, ela tinha que ver o que era aquilo.
Levantou, pegou o seu celular e ligou a lanterna.
Era o que está pensando. A barriga de Adriel foi cortada
e costurada com linhas de nylon, as mesmas usadas nela quando se acidentou na adolescência.
No escuro, com a pouca iluminação vinda do celular, deu para notar o horror que
o rosto dela emanava. Chamou-o algumas vezes, balançou a sua perna, queria
acorda-lo e perguntar o que havia acontecido, mas não houve resposta.
Ao aproximar o celular no rosto dele ela gritou, ele não
estava respirado. Sacudiu varias vezes aquele corpo, chorosa, gritando o nome
dele, mas nenhum movimento. Decidiu sair dali e pedir socorro, mas quando foi
abrir a porta percebeu que estava trancada. Gritos de socorro, vindos dela,
ecoaram pela casa, seguidos de chutes na porta. Mas ninguém iria aparecer para
ajuda-la. Foi, então, que um barulho vindo da cama lhe chamou a atenção.
Ao focar a lanterna do celular na cama notou que o corpo
de Adriel estava fazendo pequenos movimentos. Ainda soluçando ela se aproximou,
sussurrando o nome dele, mas ele não respondeu. Alguma coisa de estranho estava
acontecendo na barriga dele. Aproximou-se mais e conseguiu ver.
Haviam oito garras negras que estavam saindo pela incisão
e forçando a parede abdominal para lados opostos, forçando os pontos que iam
cedendo e rompendo com a força. Ela colocou a mão na boca, impedindo o grito, e
não tirou os olhos daquela cena inacreditável. Por alguns minutos achou que
estava sonhando, mas ao ver longos braços saindo de dentro do Adriel e uma
cabeça grotesca com uma enorme boca e dentes afiados olhando para ela, percebeu
que ali não devia ficar.
Jogou o celular no chão, o qual continuou iluminando
malmente o ambiente, e começou a desferir golpes contra a porta e a pedir
socorro. Olhava para trás e via aquela criatura saindo de dentro do homem que
tinha transado até pouco tempo. Novos golpes contra a porta, mas sem sucesso.
Virou-se para aquela criatura, encurralada, e viu-o andando lentamente em sua
direção. Um grito de horror invadiu aquele quarto, sua visão embaçou, suas
pernas amoleceram e, antes que pudesse ver o que a criatura iria fazer com ela,
acabou desmaiando.
Ainda não tinha ideia, nem noção, de onde estava e o que
estava acontecendo. Tentou abrir os olhos, mas a grande luminosidade do
ambiente forçou-a a fechar novamente. Começou a sentir o seu corpo, estava nua,
percebeu que seu braço estava estendido acima de sua cabeça e seu pulso estava
dolorido, seus pés balançavam no ar e estavam amarrados. Ela estava pendurada,
amarrada pelos braços, em algum lugar que ainda não sabia onde era e nem por
que estava ali.
Foi abrindo aos poucos os olhos, deixando sua retina se
adaptar. Estava em uma sala que nunca havia visto. Em suas pernas havia cordas
muito bem amarradas e em seus braços correntes presas a uma pulseira de ferro,
muito bem apertadas. O peso de seu corpo e a gravidade estava deixando cada vez
mais seus braços doloridos.
Na sala havia vários balcões, com diversas facas e
ferramentas de açougueiro, além de outros utensílios que não fazia ideia do que
seria. Começou a chorar, o medo lhe invadiu e as lembranças daquela criatura
lhe dominaram. No chão de onde estava havia manchas mal lavadas, que podia
jurar que outrora era sangue que havia sido derramado naquele local. Ela tinha
certeza, não sairia viva de lá.
A porta que estava a sua frente foi aberta e de lá surgiu
um homem. Ele fechou a porta calmamente e voltou-se para aquela mulher e ficou
a olhando por alguns segundos, lhe dando um sorriso cínico e aterrorizador.
- Bom dia senhorita. – disse
ele retirando o chapéu e curvando-se um pouco para frente.
- Quem é você? O que você
quer comigo? – respondeu gritando, entre o choro e soluços.
- Sou um amigo de seu
marido. O locatário desta residência.
Então ela estava em algum lugar dentro da casa.
- O que você fez com o
Adriel?
- Fiz o que tinha que ser
feito. Precisava de você.
- Como assim?
Aquele homem começou a dar risadas que aterrorizaram o
coração de Michelle. As luzes começaram a piscar e uma fumaça negra começou a
sair de dentro das paredes. Aquela fumaça foi se acumulando em sua frente,
ganhando forma, até surgir aquela criatura que havia saído das entranhas de seu
amado.
- Meu Deus! – gritou
desesperada. – Me solte. Me solte, pelo amor de Deus.
- Deus não está aqui, minha
cara.
O homem foi andando, olhando para o balcão, procurando
algo até que, entre várias facas, tira uma. A olha, verifica se esta afiada e
anda em direção a mulher pendurada que está aterrorizada com a criatura. Ela,
vendo o que estava fazendo, voltou-se pra ele, implorou para que a solta-se,
que a deixa-se viva. Mas ele parecia não se importar com as suplicas.
- Sabe, tive que fazer
aquilo com o seu marido. Foi o único meio que achei de fazer você transar com
este demônio.
Ela ficou aterrorizada com o que ele tinha acabado de
falar. Ainda não havia pensado na possiblidade de que havia transado com aquela
criatura grotesca.
- Meu Deus, por que fez
isso?
- Foi o que eu disse para o
Adriel. Preciso de um demônio novo, pois logo este aqui irá morrer.
- E por que tu queres uma
criatura dessas? – disse, chorando, tentando alongar a conversa ao máximo.
- Vida eterna, minha cara. –
disse sorrindo. – vida eterna.
- E por que precisa de mim?
- Quando seu marido chegou
aqui, inicialmente só iria usa-lo para alimentar este demônio. Mas quando eu vi
o motivo ao qual ele tinha se mudado para cá, vi a grande possiblidade que eu
estava esperando.
- Como assim? – perguntou,
ainda tentando alongar o máximo a conversa.
- Irei usa-la para o ritual.
- Como? Por favor, não faça
nada comigo. – implorou.
- Somente o ventre de uma
mulher adultera pode ser fecundado por um demônio.
Essas palavras dilaceraram o coração de Michelle. Ela
nunca poderia esperar ouvir as palavras “mulher adultera” naquelas
circunstancias. Sua traição não só matou o Adriel, como também daria a chance
daquele homem colocar na terra mais um demônio somente pra saciar a sua ambição
de viver para sempre.
- Não se preocupe, irá se
rápido. – disse, enfiando a faca no ventre de Michelle.
Michelle gritou, se contorceu, tentou se livrar das
correntes, mas foi tudo em vão. Seu corpo agora estava agonizando pela
perfuração daquela lamina que cortava a sua pele. Júlio colocou a sua mão
dentro do ventre de Michelle, cortando suas entranhas, e de lá retirou o útero
dela, intacto.
Sob os sons de dor de Michelle, ele foi levando aquele
pedaço de carne até um balcão e retirou o pano de cima de algo que estava
escondido até agora: um baú de prata. Abriu-o e colocou lá dentro o útero de
Michelle.
- Pronto, agora é só esperar
ele nascer.
Voltou-se para Michelle, olhou-a agonizando por alguns
minutos, e começou a observar o seu corpo nu e o sangue que escorria por sua
perna e gotejava no chão. Ver aquela mulher deixou o excitado e logo podia se
notar o volume em sua calça. Não aguentando, abriu o zíper e tirou o seu pênis.
Chegou perto de Michele e começou a toca-la, encheu sua
mão com seus seios, chupou-os, lambeu. Começou a se masturbar olhando e a
tocando, enquanto ela gritava e se contorcia de dor e medo. Por várias vezes
levou os seus dedos até a sua vagina e anus. E ficou assim até gozar.
Satisfeito, se ajeitou e saiu, dizendo para a sua criatura:
- É toda sua.
Michelle estava tonta, quase desmaiando devido à perda de
sangue. Mas ainda ouviu o que aquele homem tinha dito. Ainda viu, com a visão meio
embasada, quando aquela criatura lhe enfiou as garras pelo corte que Júlio
havia feito, e puxou de lá parte de seu intestino delgado. A dor foi
insuportável. Michelle ia desmaiando, morrendo, e sua ultima visão neste mundo
foi contemplar aquela criatura, agachada em seus pés, devorando a suas
vísceras.
Júlio saiu por trás daquela grande TV que cobria quase
toda a parede. Havia uma passagem secreta lá que, por uma escada, dava acesso
ao um compartimento no subsolo. Era onde ele levava as suas vitimas para
alimentar aquele demônio.
Fechou a passagem e olhou toda a casa para certificar de
que nada havia que o comprometesse. Ao sair da residência foi até o seu carro e
de lá tirou uma placa. Pendurou-a na porta, deu alguns passos para trás e
contemplou aquela residência. Deu um sorriso malicioso, entrou no seu carro e
foi embora.
Na placa estava escrito, em letras garrafais, que aquela
residência estava disponível para ser alugada. Assim como as lâmpadas atraem as
moscas para a morte, aquela casa atraia os desesperados por um recomeço. A
única casa, daquela cidade, que estava disponível para que alguém pudesse
começar vida nova. Sem saber que lá seria o fim.
E então? Você está em busca de uma casa para morar?
FIM
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