Eles preferem que eu não saia. Não devo conhecer ninguém, nem ter notícias do mundo lá fora. Não posso saber o nome das pessoas que servem minhas refeições, nem ouvir a voz deles. Ninguém, absolutamente ninguém, deve ser relacionar comigo. Qualquer dialogo que possam dirigir a mim seria punido com a morte
Ah, a morte! Como a conheço tão bem. Somos tão íntimos que não existe uma gota de receio quando está surge em minha frente. Ela é tão real como as correntes que me prendem. Já ouvi, nos momentos em que saio para trabalhar, alguém na multidão dizer entre sussurros que sou a própria personificação do anjo da morte.
Não acredito nesta podre crença. Sou só mais uma ferramenta desta natureza tão temida e desconhecida por nós, humanos. Sou a foice do Anjo da Morte. A morte é tão natural, mas, ao estarem prestes a morrer, os olhos daqueles que não conheço se enchem de pavor. Todos sabem que a morte é inevitável, e muitas vezes é a solução para os sofrimentos desta vida terrível neste mundo caótico. Mas, mesmo assim, não entendo o desejo de permanecer vivo que os humanos tanto têm.
Eles se seguram na falsa crença da imortalidade, como uma criança agarra a perna da mãe ao estar com medo. Ao se depararem com a morte, suas crenças vão abaixo, levando seus planos e desejos, e percebem o quanto são frágeis e mortais. Imploram pela vida, por misericórdia, por algo que chamam de ‘deus’. Mas até hoje nunca vi alguém escapar da morte com essas palavras vazias. Quando o rei decide penalizar alguém com a morte, não existe ninguém que o faça desistir.
Seu eu pudesse, morreria.
Lembro-me como o rei me encontrou. Estava com a minha família, vivendo miseravelmente na Vila dos Corvos. O rei chegou, com sua comitiva , e me viu colhendo os mirrados milhos de nossa plantação. “Nunca vi alguém tão forte” disse, fazendo seu cavalo relinchar. “Há boatos de que ele é um bastardo de um gigante da montanha”, comentou um dos homens.
Meu pai e minha mãe chegaram, não me lembro ao certo o que conversaram. Só o sangue me vem a memoria. A cabeça do meu pai, sem corpo, estirado no chão, é a lembrança mais viva que tenho. E os gritos de minha mãe, com duas lanças cravadas em seu peito, ainda ecoam em meus ouvidos.
Eles me acorrentaram, disseram-me que eu serviria ao rei. Cresci matando. “A morte foi destinada a você”, me disse meu antecessor. “Nunca haverá um igual a você em todos os reinos que existem e existirão”.
Noite passada foi mais um dia de serviço ao rei. Desci as grandes escadas de minha torre, andei pelos corredores e salões, acompanhado dos guardas, até chegar no grande salão do rei. Não mais se penaliza os homens nas praças públicas, o rei prefere o conforto de seu trono. Os súditos que venham até ele ver o espetáculo.
Meu antecessor usava uma foice, era uma morte rápida e limpa. Mas meu tamanho e força animou o rei para melhorar as penas de morte. Me deram um grande martelo de guerra, com espinhos grossos em suas pontas. “Com a sua força será uma morte rápida, mas não garanto limpeza.” Me falaram. E foi assim desde então.
Um homem ajoelhado, acorrentado e curvado para frente, com a sua cabeça repousada em uma estaca grossa de madeira. Olhei para os seus olhos, como sempre cheios de pavor. Qual o seu nome? Não sei. Não me importava. Saber o nome dele, conhecer a vida dele poderia me fazer criar algum vinculo e, quem sabe, ceder na hora de puni-lo. Por isso me proíbem de sair, de conhecer as pessoas, de conhecer o mundo.
Sua dor não é nada pra mim. Suas lagrimas me irritavam. Depois de perder meus pais, a morte de ninguém é importante. Alias, somente uma morte é importante para mim, e não sei se um dia terei chance de puni-lo como se deve.
Olhei ao redor e vi os rostos que me olhavam temerosos, ansiando pela morte daquele desconhecido. Eu era o dobro do tamanho da maioria. Em seu trono o rei, o maldito rei, sentado confortavelmente, acariciando o seu urso gigante, deitado ao seu lado. Maldito! Nunca esqueci seus risos ao ver minha mãe agonizando. Esse martelo deveria ser destinado àquela cabeça. Minha raiva invadiu-me, queria mata-lo, mas seria morto antes que conseguisse.
Desci o martelo na cabeça daquele homem, com toda a mina fúria. Em segundos o que era uma cabeça virou uma pasta. Restos de cérebro voaram no meio da multidão. Pedaços de seu crânio grudaram no martelo. Mais um homem morto por mim.
Mais um dia me vingarei, e transformarei esse rei em pedaços e darei para o seu urso comer. Porque sou o carrasco do reino. O mais poderoso carrasco já visto neste mundo. E meu papel é punir os criminosos com a morte. E não existem maiores criminosos do que aqueles que detém poder deste mundo.
FIM