Estava longe do centro da cidade, sentado no degrau de uma escada enquanto pessoas confraternizavam no andar de cima. Era para eu estar lá, mas não conseguir aguentar tudo aquilo por muito tempo. Bebida alcoólica, música ruim, assuntos que não me interessavam e pessoas que não tenho nenhuma intimidade. Mas eram amigos da minha namorada, então fiz esse esforço, mas chegou o momento que não deu mais.
Uma em especial falava pra caralho, desde a hora que cheguei até o momento que sai não percebi ela ficar um minuto sequer sem falar. Aquilo me irritou. Devo ser um grande pé no saco, esquisito por não saber socializar, mas tudo aquilo me deixou no limite. Desci, comprei um refrigerante e alguns beijo-de-moça e sentei no degrau da escada. Observei as pessoas, tarde da noite, transitando por aquela rua, o sinal claro de ausência do Estado em cada canto, a matilha de cachorros abandonados.
Lá em cima pessoas começavam a ser apresentar, dizendo seus nomes e os famosos “eu sou isso”, “eu sou aquilo”, enquanto eu bebia e comia e alimentava uma cadela com seu filhinho que pediam comida com aqueles olhos tristes. Fome dói.
Ainda bem que sai antes da apresentação, nunca fui bom com isso. Dizer o nome até que é normal, mas nunca entendi o desejo das pessoas de expressarem sua formação, seu conhecimento, suas façanhas, como se estivessem disputando conquistas intelectuais e empíricas.
Enquanto ouvia as pessoas narrando seus currículos, olhava para os olhos daqueles animais, comendo o beijo-de-moça, olhos tristes e ossos a vista, os moradores passando na rua com seus sonhos e seus medos. Enquanto as pessoas falavam suas façanhas, eu percebia que o mundo ao redor jogava na nossa cara que nada do que fizemos tem um sentido real. Um mundo decante rodeava esse grupo, mostrando que, no fundo, todo aquele nariz empinado não servia pra nada, que aquela comemoração, aquelas bebidas e músicas, não fazia sentido algum.
E a tristeza se alimentou da minha alma quando percebi que eu também faço parte desse grupo, e se aprofundou quando percebi que não importa a gente estude, trabalhe, pesquise, brigue e proteste. Sempre haverá cães famintos e pessoas abandonadas por essa sociedade de merda em que vivemos.